terça-feira, 18 de agosto de 2009

Virando hominho.

A terceira série era barra pesada. E ele sabia bem disso. Não é pra menos. Ela ficava bem no meio. Aluno de terceira série não era mais tão criança pra ser protegido pela professora. Mas também não era grande o suficiente para encarar os valentões da quarta e quinta série. Essa injustiça ficava bem clara na hora do recreio. O parquinho ficava com a primeira e segunda. A quadra com a quarta e quinta. E ái de quem ousasse mudar a ordem natural das coisas. Ciente da situação, ele assistia tudo em silêncio. Sentado no banco, com sua lancheira do Senninha, seu Toddynho, seu cabelo tigelinha e suas finas meias brancas até a canela. De vez em quando pintava alguém para trocar umas figurinhas, mas ficava só nisso. Dia após dia, a mesma cena. Dia após dia, os mesmos vinte minutos desperdiçados. Até que, num recreio aparentemente qualquer, as coisas finalmente começaram a mudar. Do seu lugar de costume, ele acompanhou a bola de futebol sair voando da quadra, até parar nos seus pés. Diante dos gritos apressados dos grandalhões, ele não teve escolha. Fechou os olhos e meteu o pé. Calculou mal. A bola pairou pelo ar em câmera lenta até a testa de um repetente da quinta. Logo o maior deles. Que azar. Seu destino estava selado: depois da aula, na saída. Não havia escapatória. Seu encontro precoce com a masculinidade já estava marcado. Durante o resto da aula, ele rezava para que o tempo parasse. Prece que não foi atendida, como o sinal fez questão de frisar. Havia chegado a hora. Roendo as unhas, caminhou trêmulo até o portão. Uma rodinha de moleques de todas as idades, e até umas meninas, já esperava por ele. O repetente estava lá no centro, estralando os dedos. Dentro do círculo, procurou por um canto para a sua mochila do Power Rangers. Não encontrou. Deixou-a cair no chão, displicentemente. Cerrou os punhos. Lembrou do Karatê Kid. O grandão deu uma risada irônica e foi pra cima. Assustado com aquela fúria toda, viu seus oito anos de vida passarem mentalmente, num só flash. Fechou os olhos. Levantou o pé direito. Golpe certeiro. Bem no meio das pernas do pequeno brutamonte, que foi ao chão, chamando pela mamãe. Depois de uns breves segundos parado, incrédulo, ele passou a mão nos olhos e ajeitou a meia direita, para ver se caia na real. Alguém lá no fundo gritou "Salve o rei da terceira série". E, ainda ofegante, ele respirou aliviado. Pois sabia que, dali pra frente, a ordem natural das coisas não seria mais tão natural assim.

1 comentários:

Gordinha disse...

Eu tinha medo da cadeia alimentar escolar! Principalmente pq eu sempre era a graminha...
Agora tudo mudou e na faculdade eu sou... eu sou... Droga! Graminha de novo=( hehehehe!
Abraços!