segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Tempos modernos.

Chega cansado do trabalho. Abre a porta. Afrouxa o nó da gravata e desabotoa a camisa branca manchada pelo suor do dia a dia. É um homem trabalhador, do batente. Resultado de uma criação dura, fria, e por diversas vezes, desumana. Erros que seu pai cometeu e que, sem perceber, ele deu continuidade. A mesma rigidez, o mesmo cinto, a mesma incompreensão. Tudo o que ele odiava no seu velho, seus filhos odeiam nele. Pega um xícara de chá e, só de cueca, senta-se na poltrona. Controle remoto do lado direito, livro do lado esquerdo. O livro é o plano B. Liga a TV. Canal um, pouca vergonha. Canal dois, baixaria. Canal três, putaria. Irritado, esbraveja baixinho: "Onde foram parar os velhos costumes? Esse mundo é uma vergonha". O homem sentado no sofá parou no tempo do romance, do cortejo, do pegar na mão. Desliga a televisão e abre o livro. Lá uma história bem antiga, do tempo da inquisição, é contada. Nada de sexo, nada de bebidas, nada de música alta. Nada de diversão, também. Bem do jeito que ele gosta. Após uns bons minutos envolto na leitura, o homem seminu chega à uma conclusão: havia nascido na época errada. Ele, como toda a humanidade, deveria nascer e morrer sem enxergar o fim dos bons costumes, da pureza. Baixa um pouco os óculos de armação sisuda e olha para a direita. Na mesa de cabeceira, uma foto da mulher, já falecida. Foi uma esposa e mãe exemplar, porém submissa. De repente, um sentimento avassalador de saudade invade o peito do homem. Fecha o livro com a espontaneidade de uma criança e pega o telefone. Vasculha alguma coisa no caderno de endereços. Passa pelo contato dos filhos, do irmão e dos amigos do xadrex. Encontra o que queria. Com os dedos trêmulos de ansiosidade, disca o desejado número. Do outro lado da linha, para seu alívio, a voz diz: "Seja bem-vindo ao Loucuras na Noite. Aguarde que uma das nossas deliciosas meninas já irá atendê-lo".

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