sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O ladrão de paciência.

Pegou o telefone e discou o número que queria. Fazia um sol delicioso lá fora. O céu ostentava um azul poucas vezes visto por aquelas bandas. Do quarto, dava pra ouvir a mulecada jogar bola. "PASSA! LADRÃO! FILHO DA PUTA, JOGA NADA!", gritavam. "Essa criançada de hoje em dia não tem mais educação mesmo", pensou o senhorzinho. Apesar disso tudo, ele não se exaltava. Era paciente que só ele. Só ele.
Terminou de discar. O telefone chamou. Chamou. E chamou de novo. Finalmente uma gravação atendeu. Dizia uma série de coordenadas, enumeradas de um a nove. Pro azar do senhorzinho, a que ele precisava era a nona. Apertou o número nove. "Ah, diabos!", exclamou. Mais uma vez a gravação dizia uma série de coordenadas. Nenhuma correspondia à dúvida dele. Teclou um número qualquer, a gravação respondeu: "No momento todos os nossos atendentes estão ocupados. Previsão de atendimento em quatro minutos". Fazer o quê? Esperou pacientemente, forçando um sorriso de canto de lábio.
Passaram-se seis minutos e alguém do outro lado atendeu. Finalmente um ser humano! O senhorzinho começou a explicar sua dúvida. No meio, foi interrompido pela atendente.
- Senhor, aqui não podemos resolver seu problema, senhor.
O senhor respirou e prosseguiu.
- Ó, Deus. Onde eu posso resolver isso?
- Estarei transferindo o senhor para a assistência técnica, senhor. O senhor pode estar aguardando?
- Claro, minha boa moça.

A gravação voltou, anunciando um tempo de espera de oito minutos. Oito minutos! Mas, tudo bem. O sol brilha lá fora e a criançada segue batendo bola. "ENFIA A BOLA NO CU, GOLEIRO FILHO DE UMA VAGARANHA!", continuavam a espernear os pimpolhos. O senhorzinho ficou embasbacado, mas ainda assim curioso para descobrir o significado da maioria daqueles palavrões, especialmente "vagaranha".
A musiquinha começava a dar nos nervos. Era uma mistura de notas aleatórias. Sol, sol, mi, fá, lá, lá, lá, sol. Pelo menos era assim que ele entendia. Olhou no relógio. Dez minutos haviam se passado. Começou a mexer a perna insistentemente. Aquilo era um claro sinal de nervosismo. Ou ansiosidade, o que era mais provável.
Finalmente, alguma alma caridosa no call center atendeu à chamada daqueles pacientes cabelos brancos. A voz dela era doce, suave, transmitia prestatividade. "Nossa, essa moça deve ser muito bela", pensou sozinho. A conversa se desenrolava tranquilamente, até que as coisas começaram a mudar.
- Senhor, vou precisar confirmar alguns dados seus.
- Claro, senhorita. Posso chamá-la assim?
- Não. CPF, RG, carteira de trabalho, número do cartão de crédito e endereço.
O senhor confirmou tudo, um por um, perdido em uma pilha de documentos.
- Obrigado pela atenção, senhor. Eu estou vendo aqui que você está sem sinal de TV a cabo.
- É! Logo hoje, que tem um filmão no canal das antiguidades. É com o James Dean!
- Já verificou se o aparelho está ligado na tomada? Se o cartão está inserido corretamente?
- Claro! Foi a primeira coisa que eu verifiquei.
- Senhor, já detectamos o problema. Você vai ter que fazer o seguin...
"No momento todos os nossos atendentes estão ocupados. Previsão de atendimento em quinze minutos", cortou a voz robótica.

A decepção tomou conta do olhar cansado do senhorzinho. Ele abriu a boca e um fio de baba escorreu, sem querer. A mão amoleceu e o telefone ameaçou cair. Só ameaçou. Puxou todo o ar que encontrou nos pulmões. Tranquilamente, colocou o telefone no gancho.
FIIIILHA DE UMA VAGA... foi possível ouvir do lado de fora, antes que os gritos fossem abafados pelo travesseiro. A mulecada entrou correndo. Uma chuva estava se aproximando, furiosa.

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