segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Sem palavras.

Do silêncio de um quarto abafado pelos trinta e dois graus de uma tarde de domingo, ele anda de um lado para o outro, em busca de alívio. Não para o calor, mas sim para a ansiedade. A situação é de se estranhar. Afinal, o rapaz sempre foi supremo com as palavras. Na realidade, sempre se expressou muito melhor no mundo de papel do que no mundo real. Entretanto, ali, especificamente naquele dia, havia esquecido o abecedário. Não literalmente, apenas metaforicamente. Com os olhos confusos, sentia-se sem esperanças perante o branco da folha, onde outrora reinava absoluto. A sensação de fracasso é avassaladora.
“O que diriam se me vissem agora?”, pensa o prodígio, ainda desacostumado com aquele vai-e-vem de idéias vazias e inúteis. Num claro sinal de preocupação, ele olha para os lados. Ufa. Não tem ninguém. Uma gota de suor frio escorre pela sua face direita. Procura algo nos bolsos que possa clarear sua mente. Nada acha. Coça insistentemente os longos cabelos encaracolados, e enquanto o faz, tenta desesperadamente disfarçar o seu despreparo em lidar com a derrota. O que não é pra menos, tendo em vista seu histórico.
Aos dez anos, ganhou o concurso de redação do colégio, que hoje ostenta seu nome. Aos doze, publicou sua primeira crônica no jornal mais lido da região. Aos quatorze, lançou o primeiro romance, finalizado aos treze. Aos quinze era colunista fixo da maior revista do país. Aos dezessete, sentou-se ao lado de Veríssimo na FLIP. Aos dezoito permaneceu por trinta e três semanas seguidas no primeiro lugar dos livros mais vendidos. E, semana passada, aos vinte, estreou seu novo roteiro nos cinemas, o qual a crítica já enaltece como “inacreditável”.
Porém, hoje, o novo Machado, não é ninguém. É só mais um escritor maldito, fã de Trotski e Kafka. Daqueles ruivos, barbudos, cabeludos e sujos, que escrevem versos nas paredes com um pedaço de carvão. Comparação que, obviamente, só pode ser feita se ignorarmos sua cobertura em Copacabana, seu carro alemão último tipo e sua namorada supermodelo francesa. Ele sempre teve uma queda pelas francesas, fruto da forma como Bukowski as descrevia. Bukowski é seu autor preferido, em segredo. Isso porque, a elite, que tanto enche seus bolsos com dólares e euros, não gosta de Bukowski. Vai entender.
Inconformado e desacreditado, ele rabisca algumas coisas. Algumas porcarias. Por motivos óbvios, não gosta do que está escrito, mas tenta convencer-se do contrário. Pensa, por uns instantes, ser essa a sua redenção, mas passa batido pelo devaneio. Busca uma opinião sincera com alguns amigos não tão famosos quanto ele, mas logo descobre que quer ouvir o que quer. Nada além disso. A sinceridade é dura com tudo aquilo sem qualidade. Sem sentimento.
Sentimento. É óbvio. Numa expressão de genialidade, ao mentalizar tal palavra, o talento adormecido do jovem rapaz desperta repentinamente. Ele sente um tremor subir pelos joelhos em direção aos braços. É o sinal de que as coisas estão voltando ao normal. É um sinal de que ele é, sim, tudo isso o que dizem. A confiança cresce incontrolavelmente, superando seu ego gigantesco. Ele estica-se na cadeira de couro de jacaré, leva as mãos atrás da cabeça e começa a recordar-se de tudo o que realmente importa.
A distância, a saudade, os momentos, os dias, os meses, os anos, a cumplicidade, a identidade, os sucessos, os insucessos, o conhecimento, a experiência, a criança, o adulto, a inteligência, os limites, o nervosismo, a teimosia, a alegria, a raiva, os arrependimentos, a espontaneidade, a responsabilidade, a irresponsabilidade, os conselhos, o apoio, a preocupação, o acalento, o ombro, o sangue, os laços, o abraço, o beijo, o herói, o homem. O amor. A eternidade.
E no meio daquilo tudo. No núcleo daquele turbilhão de emoções e sensações. No centro de todas suas lembranças boas e ruins, percebe que nada que escrevesse bastaria, nem seria necessário. Toda e qualquer palavra seria substancial, sintética. A importância daquele dia, daquele domingo, era superior a tudo, inclusive ao seu talento precoce. Amor de pai e filho não se descreve, nem se escreve. Amor de pai e filho se sente. Na pele, não no papel. E assim, com um pequeno sorriso nos lábios grossos, ele assina seu nome, dobra a folha em branco e sela a carta. “Ele vai entender”, pensa. Pois é. Pai sempre entende.

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