sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Ups and downs.

Daqui de dentro o mundo parece uma grande e dura merda. Mas pelo menos é uma merda que passa rápida, com um aspecto borrado. O que me faz lembrar o resultado dos meus fins de semana, pulando de bar em bar. Não tem ninguém do meu lado. Para o alívio do infeliz que viesse a se sentar ao meu lado. Abro um Bukowski puro sangue e esqueço do tempo que insiste em avançar no relógio e escurecer lá fora. Uma gostosa conversa com um policial no banco atrás de mim. E o cara não sabe domar a cavala. E ser jovem era uma merda.
O livro acaba. Adormeço. Acordo com o amarelo das luzes da rodoviária. Pego minha mochila e vou descendo. Atrás de mim, o policial permanece sentado. A gostosa vai na minha frente. Admiro seu incrível rabo, que se move num ritmo que faria o pau do Papa acordar. Ela olha para trás. Eu olho de volta. Sua expressão muda do desinteresse, para a repulsa. Foda-se aquela vadia.
Desco as escadas do ônibus e agradeço o motorista. Não enxergo nenhuma reação na cara mole dele, mas perdôo. Pior que viver nas ruas, é viver nas estradas. Atravesso o enorme salão. Perdido. Centenas de pessoas passam ao meu redor. Correndo, caminhando, chorando, sorrindo, abraçando, beijando. Aquela massa toda não passa de uma infinita contradição. Um casal de jovens se abraça calorosamente a uns dez metros de mim. Ele diz pra ela que não quer deixá-la. E eu só consigo pensar nas outras que ele vai comer, onde quer que esteja indo. Ninguém é fiel hoje em dia, e só as mulheres não percebem isso.
De repente, me lembro do que havia dito pra mim mesmo alguns minutos atrás. Antes de qualquer coisa, eu precisava ir ao banheiro. Logo na entrada do lugar tinha uma enorme placa com os valores. Uma mijada era um e vinto e cinco. UM E VINTE E CINCO POR UMA MIJADA. Fui até o caixa e fui ignorado completamente por uns trinta segundos. A mulher conversava sobre alguma imbecilidade com um homem tão imbecil quanto o assunto. Uma cavidade movia-se acima dos lábios secos e apagados da velha. Outro rombo reluzia em sua testa. Olhei para trás e um garotinho esperava ansioso, com as mãos no meio das pernas.
- Tá vendo aqueles buracos ali na cara da velha? - perguntei pro muleque apertado.
- Uhum.
- Se você fumar crack, vai ficar que nem ela.
- Crack? Que isso?
- Ah, pergunta pro seu pai. Ele deve saber.

O muleque baixou a cabeça e eu levantei a minha. Era boa a sensação de ter livrado uma pobre alma de um possível vício. E ter fodido com a cabeça de um adulto. E ser jovem era uma merda. Entreguei o dinheiro na mão da mulher e ela me entregou uma ficha. Atrás da ficha lia-se TELESP. A ficha foi pra mão do homem que não podia trabalhar porque estava falando com a mulher que ele não deixava trabalhar. E assim eu entrei no banheiro, sem encontrar meus olhos com os olhos dos dois. Quem dera fosse sempre assim. Minha vida seria melhor. E o mundo, talvez, um lugar menos pior.
Corri em direção ao mictório já com o zíper semi-aberto. O lugar ficava entre duas paredes de granito cinza e vagabunda. Até aí, tudo bem. Um lugar que serve pra mijar não precisa de luxo. O problema é que as paredes eram extremamente apertadas, o que, no fim das contas, tornou uma simples mijada um jogo de escolhas. Ou eu mijo com segurança e sofro com a incrível pressão que aquela parede fria proporcionava, ou eu me arrisco num mijo trêmulo à longa distância mas saio com minha integridade física intacta. Escolhi a opção número dois. Antes a minha integridade física sair ferida que a minha integridade moral.
Eu fazia força e a urina saía sem parar. Trinta segundos. Quarenta segundos. Cinquenta segundos. Mijando. Desisti de contar e ela se esgotou. Minhas bolas doíam porque a minha namorada não queria dar pra mim. E ser jovem era uma merda. Fechei o zíper e admirei a porcelana branca manchada de amarelo. O cheiro subiu forte. Tão forte que era quase possível sentir o gosto. Corri para a pia e lavei o rosto com vontade. Queria me livrar da sujeira. Queria me livrar de mim mesmo. Enxuguei o rosto, olhei no espelho e me senti novo por alguns instantes. Sai dali, antes que a sensação passasse.
Logo ao lado do banheiro tinha uma lanchonete. Uma lanchonete. Logo ao lado do banheiro. Eu sabia que isso não fazia sentido, mas ignorei o fato. Fui até o balcão e pedi o que tinha de mais fácil. Não passou trinta segundos e o lanche estava na minha mão. Instantâneo. Descartável. Como todo o resto da sociedade. Simpático, agradeci à caixa.
- Obrigado, babe.
- De nada, senhor.
- Sabe de uma coisa?
- Sim?
- Você ficaria ótima lá em casa, com esse rabinho na minha cara.
- Senhor, por que você não deita e morre, com o dedo no cu, senhor? Próximo!

Dei o meu melhor sorriso, agradeci e fui em direção à mesa. De lá, pude ver algo que me deu nojo. Sentado num banquinho, um tipo fortinho tocava um violão velho e tentava cantar uma música de uma cantora que pagou boquetes para subir na vida. Sem sucesso. Nem isso o cara conseguia. Mordi meu lanche fácil e sem sabor. A música acabou. Respirei aliviado. A música voltou. Meu estômago embrulhou mais uma vez. Em duas bocadas, terminei meu lanche e me levantei, deixando o papel sujo em cima da mesa. Caminhei até o tipo fortinho.
- Meu chapa, escuta, para com isso.
- Dá licença. Tô tentando trabalhar.
- É sério. Você não precia disso tudo, cara. Olha ao seu redor.
Ele olhou.
- Agora me diz: quantas pessoas estão realmente prestando atenção em você.
Ele calou.
- Pois é. Desce desse banco e vai pagar um boquete para alguém.
- Vai se foder.
- Porra. Só você não percebe. Os boquetes. São eles que movem o dinheiro. São eles que movem a porra do mundo. Os santos boquetes.
- Eu nunca tinha pensado assim, mas faz sentido.
- Eu sei que faz, tudo o que eu digo faz sentido.
- E você?
- Eu o quê?
- Quer um boquete?
- Vai se foder.

Deixei o tipo fortinho boqueteiro para trás e ganhei as ruas. Ah, como aquilo fez eu me sentir bem. Aquele bafo quente, fétido, direto na minha face. A realidade. A dura realidade. De repente eu havia me encontrado. Eu era um ex-esquizofrênico me conhecendo aos poucos. Eu era alguém. Um zé ninguém. Parei um táxi e fui de encontro ao meu destino.
A próxima coisa da qual me lembro sou eu, num banco de ônibus, voltando para casa. Uma morena de lindas tranças, pescoço suave e peitos maravilhosamente grandes está sentada ao meu lado, lendo alguma coisa. Crime e Castigo, Dostoiévski. E ser jovem não era nais uma merda.
- Bom gosto você tem, babe.
- Vai tomar no seu cu.

E ser jovem era uma merda.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Final inesperado.

Ela abriu a porta do escritório e lá estava ele, para variar. O roupão azul, o cabelo cheio de nó, o óculos de farmácia e aquela caneta com a tampa mastigada, ainda na boca. Sentado no escuro, brincava de sombras com a pouca luz que saia da luminária. Ele disse em alguma conversa cotidiana de uma tarde sem graça de quarta-feira que aquilo dava uma agitada nas suas ideias. E ainda brincou, falando que dava uma luz para ele.
O momento ficou marcado para ela. Ele não é de brincar. Ela é. Brincou, inclusive, quando escolheu a camisola que vestia naquele momento. Definitivamente, eu não vou ganhar um lugar no céu com isso aqui, disse rindo consigo mesma.
- Vem pra cama, bem, vem. - convidou, cheia de segundas intenções.
- Agora não. - respondeu, sem desviar o olhar da folha em branco.
- Meu bem, você não tá entendendo. Eu preciso de você.
- Não. É você que não está entendendo. Eu preciso escrever.
- Que nada. Seus leitores não ligam de esperar mais um dia.
- Meus leitores, não. Meus editores, sim. Malditos engravatados.
- A gente tira o telefone do gancho. A gente fecha o registro da água. A gente desliga a TV. Só vem pra cama, por favor.
- Eles estão em todos os lugares. São onipotentes, onipresentes e oniscientes.
- Então vamos para todos os lugares. Se não me engano, a cozinha ainda é virgem.
- Você não lembra o que aconteceu da última vez que atrasei?
- Disso eu lembro. A nossa caixa de correio ainda cheira a merda e a expressão daquele coelho enforcado na nossa janela ainda me traz um nó na garganta.
- Acho que não preciso falar mais nada.
- Eu só não me lembro de uma coisa.
- O que é, meu Deus?! O que é?!
- A última vez que senti minhas pernas tremerem.
- ME DEIXA TRABALHAR, CLARICE. VÊ SE PA...

Olhou para trás. E o incansável escritor resolveu ser, mesmo que só por uma noite, um incansável amante.