terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A grande mãe. Capítulo VI: Conclusão.

- Você lê, Bohr?
- Só o catálogo de prostitutas, por quê?
- Eu sempre li bastante. Depois que minha santa mãe se foi, meu pai colocava um livro no meu colo, ordenava que eu o lesse até o fim e saia de casa. E ele nunca parava em casa.
- E eu pensei que a MINHA infância tinha sido uma merda.
- Mas a questão não é essa. O que eu quero dizer é que tudo isso que aconteceu do carro até aqui me lembrou muito um cara. Um escritor.
- Escritores são todos uns babacas.
- O cara chamava-se Chales Bukowski. Um americano fodido que virou o fodão depois de velho. Bebeu, fumou, apostou e meteu. Até morrer com seus setenta e algo.
- Olha só. De repente, ele não parece tão babaca assim.
- De fato ele não era. Na verdade, ele me lembrava muito você. A única diferença é que ele escolheu uma arte diferente da sua.
- Não me compare com um escritor, seu merda. Todo mundo curte beber, fumar, apostar e meter. E não é porque um americanozinho de merda fez disso o ganha-pão dele que eu tenho algo em comum com esses tipos.
- Acontece que, esse cara, meu chapa, tinha um talento que só você, na Família inteira, tem. A capacidade de apressar as coisas. Explodir. Dar um fim em tudo, de uma hora pra outra. Interromper tudo e mudar o curso das coisas. Pelo simples fato de ter considerado isso uma boa ideia.
- Não sou eu que dito o fim. É o sangue no chão.
- Se for assim, o fim dessa merda toda está próximo.

Olhei admirado para o rosto de Sergey. Estava diferente. Parecia um homem, realmente. Transpirava confiança, coragem, sabedoria. Comecei a pensar numa resposta, mas me perdi em um sentimento confuso. Respeito, talvez. Ele se levantou, olhou para mim, fez sinal de positivo com a cabeça e foi até a porta. Admirei o cenário ao meu redor. E, como o novo homem com o qual conversava a pouco disse, decidi dar um fim em tudo. Num pulo, me pus de pé, limpei a sujeira das minhas roupas, com uns tapas coloquei meu cabelo no lugar. Armas e colhões. Ambos nos lugares certos.
Me virei em direção a porta, tendo como destino a incerteza. Ouvi uma risada distante. O som das risadas foi se intensificando. E lá do fundo, vi dois homens caminhando. Me senti no corredor da morte. Imóvel, em minha cela, esperando pelos meus capatazes. Sergey vinha acompanhado do Pai, seu novo melhor amigo, aparentemente.
- Bohr! Eu estava falando de você com meu amigo Sergey aqui!
Antes que eu pudesse reagir, Sergey sacou sua arma e enfiou quatro balas nos meus braços e mãos.
- Acho que você não vai precisar disso aqui, não é? – disse o Pai, tomando posse da minha arma.
- Já isso aqui pertence à Família. – disse novamente, tomando a Magnum dourada de Yuri.
- Você sabe o que eu acabo de fazer? Acabo de levá-lo de volta ao dia em que te encontrei. Com medo, desamparado, sozinho. Só mais uma criança.

O homem era bom no que fazia. Melhor que eu. Muito melhor que eu. Anos depois, corpos depois, vidas depois, eu estava de volta às minhas origens. E eu não gostava disso. Definitivamente, não gostava. Tentei me manter em pé, mas minhas pernas fraquejaram. Fui ao chão e lá fiquei, olhando para cima e tentando decifrar cada movimento dos dois.
Do chão vi Sergey deitar-se de bruços aos pés de Ludwig. Era um ritual. Eu fiz a mesma coisa aos dezesseis anos, quando entrei pra Família. Agora, para quem já faz parte dela, esse ritual significa um lugar garantido na mesa da Tríplice, um grupo seleto que pega as melhores faxinas e, consequentemente, as melhores remunerações. E lá, deitado com o peito para baixo, Sergey não teve a chance de ver Ludwig sacar a Manum de Yuri e enfiar três balas em sua nuca.
- Hahahahaha. Você é um verdadeiro covarde filho da puta, não é, Ludwig? E eu precisei matar o viado do seu filho pra poder descobrir isso. Veja como é a vida.
- Covardia foi o que vocês fizeram com o Tristan. O que eu estou fazendo é vingança.
- Vingança. Por que tudo tem que girar em torno da vingança, dessa pequena palavra de merda?
- Tá vendo porque eu estou aqui, de pé, e você aí, no chão? Você é só um garoto, Bohr. Substituível em qualquer função e em qualquer lugar. Agora, entenda de uma vez por todas. A guerra move o mundo, a vingança move as guerras. Faça as contas. Homens, mulheres, crianças, velhos, a humanidade. Tudo é movido pela vingança.
- Olha só que mundo maravilhoso nós vivemos. A vingança move a porra da humanidade, e eu aqui achando que ela só movesse mais grana para a conta bancária da Família. Pode confessar. Foi isso que te colocou onde está hoje.
- Isso o que?
- Isso que você faz! Pegar uma merdinha, algo insignificante, sem sentido algum e, com um discurso planejadinho e alguns gestos cansados, tornar em algo grandioso. Tornar a PORRA DO COMBUSTÍVEL DA HUMANIDADE.
- Homens pequenos enxergam as coisas como elas são. Homens grandes enxergam as coisas como eles são.
- Quem disse isso? Foi o tal de Bukowski? O americano fodão?
- Não, acabei de criar. É isso o que eu faço, não é? Eu só não sabia que você lia Bukowski.
- Eu não leio. O cara que você acabou de matar me falou dele uns minutos atrás.
- Por acaso você lê, Bohr? – perguntou Ludwig, enquanto ajustava a arma de Yuri.
- De novo essa pergunta?
- Simplesmente responda e depois cale a boca.
- Só Bukowski e o catálogo de prostitutas, por quê?
- Se você lesse, ia perceber que a maioria dos autores torna a morte algo romântico, extremamente elaborado e dramático. É como um tique nervoso literário que só não atinge uma privilegiada parcela desses babacas das palavras.
Comecei a prestar atenção e ele continuou.
- O que não faz sentido nenhum, você não concorda? Eles colocam a morte como o clímax, enrolando por páginas e páginas só para perder mais páginas descrevendo minuciosamente o ato de morrer. Quando na verdade ela não é porra nenhuma, além do fim. Colocam a morte como o estopim para o sofrimento em sua mais pura forma. A essência da decadência. Quando na verdade ela não é porra nenhuma, além de uma bala e um punhado de pólvora. Sabe o que eu acho? Que esses escritores apaixonados pela morte e seus personagens falecidos deveriam largar suas canetas e segurar uma dessas belezas aqui. Ver como ela torna toda essa ladainha de morte e sangue simples. Quase sem graça, se não fosse todo o processo até chegar a um momento como esse. Quando isso acontece, aí sim, teremos grandes obras.
Ludwig parou, ajustou a gravata e prosseguiu.
- O que eu vou te falar em seguida é um segredo sagrado. Você consegue guardá-lo?
- Acredito que não.
- Tudo bem, em breve não fará mais a diferença mesmo.
- Fala logo, caralho.
- Eu sempre quis ser escritor. Sério.
- Se você escrever tão bem quanto discursa, porra, eu compro tudo o que você escrever.
- Hahaha, assim você quase me faz pensar duas vezes, meu filho. Mas, não. Não faço o tipo babaca. Eu prefiro viver. Eu faço da minha vida uma grande obra. E, advinhe, esse é um momento daqueles que os escritores adoram.
- Isso daria uma história e tanto, Pai.
- Meus setenta e tantos anos até aqui, sim. Esse momento, não. Esse momento será como eu acho que ele deve ser. Sem romance, sem glamour, sem exageros.
- Sem graça.
- É. Sem graça.
Vi Ludwig pressionar o gatilho. Depois disso não lembro de mais nada.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A grande mãe. Capítulo V: Reação.

Enquanto eu avançava em direção aos dentes de Boris, me deleitava com seu semblante aterrorizado. As pupilas estavam completamente dilatadas, dando aos seus olhos um ar espectral. Seu nariz aberto borbulhava sangue, revelando uma respiração desesperada. Aquele era o segundo nariz que eu havia partido ao meio em um único dia. Era um bom saldo. Há um centímetro de seus dentes, seus olhos se fecharam e eu parei. Queria me divertir mais.
- PUTA MERDA!
- Que sustinho, hein?!
- Bohr, PELO AMOR DE DEUS, ME DEIXA IR!
- Tá bom, eu te deixo ir. Deixa só eu cortar as cordas.
- Eu sabia que ainda restava bondade em você. EU SABIA.

Caminhei até a ponta inferior esquerda da mesa, peguei o machado já afiadíssimo, mirei bem a corda e, com toda a minha força, fiz o corte. Pouco abaixo do joelho esquerdo de Boris.
- Ops. Errei.
- AAAAAAAAAAAAAAAAH, DEUS DO CÉU! QUE DIABOS É ISSO?!?! PUTA! QUE! PARIU!
- Desculpe. Sério.
Não ouvi nenhuma resposta. Me aproximei de seu rosto ensaguentado.
- Bohr... Bohr... Por tudo que é mais... Bohr... Por quê? – escorria sangue de sua boca.
- Você não entende, não é? VOCÊ SIMPLESMENTE NÃO ENTENDE, SEU MERDA.
- Bohr...
- Eu não tenho absolutamente NADA a perder. Não sei quanto tempo vou durar. Um dia, um mês, um ano, um século. O futuro não pertence a mim, nem a ninguém. Deus é o caralho. Buda é a puta que pariu. Stalin que se foda. Eu só quero aproveitar o agora, o instante. Por isso, meu camarada, a pergunta que você deve se fazer não é ‘por que’, mas sim ‘rápido ou devagar’.
- Rápido... Por favor... Rápido.
- Resposta errada.

Boris começou a gritar desesperadamente. Tão, mas tão alto, que seus gritos chegaram ao ponto de incomodar. Eu. Incomodado. Com gritos de dor e desespero. Muito estranho. Fui até a porta dar uma espiada em Sergey. Sentado no chão, segurava os joelhos com toda a força, chacoalhando-se para frente e para trás. Cochichava algo, parecia uma oração ou uma canção de ninar. Meus lábios se contraíram espontaneamente. Era um sorriso. Realmente muito estranho.
Os gritos cessaram. Fechei a cara e voltei ao trabalho. Limpei o machado na camisa, caminhei até o lado direito da mesa e larguei-o sobre a perna direita. Corte perfeitamente simétrico com a perna esquerda. Eu estava ficando bom naquilo. Não houve reação sonora dessa vez. Mas, a expressão... Ah, a expressão! O horror, o horror!
- Ô, Boris! Como eu gostaria que você visse isso. Eu pareço a porra de um cirurgião! Cara, eu sou foda.
- Bohr... Vem...
Atendi seu pedido.
- Sabe o que é o mais engraçado ni-nisso? O Pai ia pa-passar a ca-cade-cadeira para você.
Puxou o fôlego, engasgou, cuspiu sangue e continuou.
- VOCÊ! VOCÊ, PAI! VOCÊ! VOCÊ! HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!

As risadas ecoavam incessantemente pelo galpão. Batiam nas paredes, tropeçavam nos membros apodrecidos, mergulhavam no sangue. Mas sempre encontravam o caminho de volta aos meus tímpanos. Doía. Me senti fraco e não tive vergonha de demonstrar. E, como todo homem fraco, eu agia sem pensar. Sem aproveitar. Sem compromisso.
A passos largos, fui até a mesa. Martelo na mão esquerda, machado na mão direita. Eu me movia como um insano. Como quem eu realmente sou. Reduzi suas duas pernas a um monte de pedaços desordenados e aleatórios. Grandes, pequenos. Triangulares, quadrados. Com o martelo, esmigalhei suas mãos e braços, até eles ganharem a consistência de gelatina. Ao fim, enlacei-os com o cuidado e o prazer que uma mãe ensina o filho a amarrar os cadarços.
Boris não falava absolutamente nada. Só tremia e tentava manter os olhos abertos. Estava catatônico. Queria estar morto. Implorava em silêncio pela morte. Olhei no fundo dos seus olhos confusos.
- Camarada, você não sabe o quanto é bom. Eu nasci pra isso. Eu simplesmente nasci pra isso. Eu vou desamarrar você aqui para você ver o que eu fiz. Olha, vou ser sincero com você. Acho que você é a minha obra prima.
Desamarrei sua cabeça e puxei seus cabelos, dando-lhe uma boa visão da tragédia que ele havia se tornado.
- Vê só. O nó perfeito nos seus braços. O mosaico que fiz com suas pernas. Por sinal, esse tal mosaico se parece bem com a nossa bandeira, né? Tudo vermelho, coisa e tal. Eu, se fosse você, estaria orgulhoso.
Boris não movia um músculo da boca.
- QUAL É, BORIS? NÃO VAI COMENTAR NADA? NÃO VAI ELOGIAR?! SE VOCÊ NÃO FALA, TEM BOCA PRA QUÊ?

Peguei o martelo e soquei bem no meio dos seus dentes. Em duas tacadas, seus dentes haviam desaparecido. Sua boca era um grande negro sem fim, como minhas memórias. O desmaio foi quase instantâneo. De repente, aquilo não tinha mais graça nenhuma. Olhei para minhas mãos sujas de sangue e me senti um covarde, um carnívoro filho da puta, uma madame consumidora de peles. Peguei a Magnum de Yuri no meu bolso traseiro e coloquei uma bala na cabeça de Boris. Aquele foi o meu pedido de desculpas. Envergonhado e cabisbaixo, fui até o lado de fora e me sentei ao lado de Sergey.
- Qual o seu segredo, Sergey?
Não houve resposta.
- Sergey? Responde, porra. Qual o seu segredo?
- QUE SEGREDO?! SEU DOENTE DO CARALHO! QUE SEGREDO?!
- Como você convive dia após dia com a vergonha? Como você consegue se olhar no espelho?
- E quem disse que eu convivo? – ele parecia disposto a ajudar.
- Eu falo sério. Qual é. Você deve ter algum segredo.
- Na verdade, sim.
- E?
Sergey levantou a camisa e mostrou sua barriga. Cortes a cobriam por inteiro.
- Sempre que termino uma faxina, eu faço isso. Pego um pedaço de vidro e vejo até onde aguento. Tento tirar a sujeira de dentro de mim. A vergonha. Essa merda toda. Adianta pouco, mas adianta.
Cavoquei o bolso esquerdo do paletó e ainda estava lá.
- Tá vendo isso aqui, meu chapa?
Estendi a Sergey uma foto antiga, amarelada e corroída pelo tempo.
- Bonita. Quem é?
- Minha mãe. Ela é sueca.
- É? Isso quer dizer que...
- Sim, ela ainda está viva. Pelo menos é o que diziam as cartas dos meus irmãos, três anos atrás.
- E por que você só olha pra ela numa foto, e não em carne e osso?
- Ela tentou me abortar, sabe? Não conseguiu. Depois, aos cinco anos, ela tentou me trocar por um quilo de carne. Também não conseguiu. Aos nove ela tentou me matar. Por pouco obteve sucesso. Depois disso, não lembro de mais nada. Fugi. Fui pulando de reformatório em reformatório. De beco em beco. De viela em viela.
- Essa é a pior história que eu já ouvi.
- Pois é.
- Então me diz por que guardar essas lembranças no bolso do paletó?
- Não sei, ela simplesmente me dá força. Me dá uma razão para viver.
- É. O amor é algo realmente incrível.
- O amor, não. O ódio.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A grande mãe. Capítulo IV: Ação.

Me permiti observar a tela verde do celular por uns segundos. Me permiti sentir medo. E, Deus, como eu me permiti sentir medo. Acredito que todo o medo que mantive resguardado desde os seis anos de idade vieram à tona nesses segundos. Meus lábios, minhas mãos, meus pés, meus ombros. Todos tremiam incessantemente, irritantemente, desesperadamente. Com a mão, procurei por algo no bolso esquerdo do meu paletó. Encontrei. Respirei aliviado. Saber que ainda estava lá era o que eu precisava para me colocar no lugar. Enfim, com as mãos frias como um cadáver, atendi.
- Alô. – saudou a voz cansada do outro lado da linha.
- Diga. – respondi, sem o mínimo esforço para ser sutil.
- Bohr?! É você?!
- Sim, Pai.
- Posso saber o que diabos você está fazendo com o telefone do meu filho?
- Seu filho está morto, Pai.
- Morto?!
- Sim. Ele tá aqui do lado, completamente furado. Morto. Simples assim.
- Então, aconteceu. Finalmente aconteceu.
- Você sabia, não sabia?
- Sim. Ele já estava morto pra mim há muito tempo.
- Entendo. – concordei, tentando disfarçar a esperança que invadiu minha mente.
- Você sabe, não sabe?
- Sim, tanto é que fiz o que fiz.
- Eu não me refiro ao meu filho. Me refiro a você.
- Como assim?
- Eu vou caçá-lo, Bohr. Caçá-lo impiedosamente. Como cão e gato. Como vício e viciado.
- Eu pensei que estava fazendo um favor ao senhor, Pai.
- Você me fará um favor quando estiver morto, Bohr. Eu só respirarei novamente quando sentir o cheiro do seu sangue misturado ao cheiro da pólvora. Meu coração só voltará a bater quando o seu se silenciar.
Me calei.
- Me entenda, Bohr. Eu não desejo o mal a você. Acontece que você matou meu filho. Sangue do meu sangue. Minha prole. Meu nome. Meu legado. Minha história. E no momento em que você o fez, arrancou tudo isso de mim. Meus setenta e quatro anos jazem aí, ao seu lado.
- Mas, Pai...
- Meu filho.
- Sim?
- Eu não sou seu pai.

O telefone parou de falar. Eu parei de falar. O silêncio reinou absoluto. Mantive-me lá. Sentado. Largado. Morto. Não faço ideia de quanto tempo de passou desde que desliguei o telefone e só começo a despertar do meu transe agora, que vejo, lá no fundo, Sergey correndo desesperado até mim. Tento imaginar o que será dessa vez. Permaneço sentado, já esperando más notícias.
- Bohr! Bohr! Bohr! Por Deus! Estamos fodidos. – esperneou, mal se aguentando em pé.
- Calma. Seu viado. Recupera esse seu fôlego de viadinho. E me diz, viadamente, o que foi.
- Estamos fodidos. Lá fora. Fodeu tudo.
- Viado.
- O quê?
- Nada, eu só acho divertido te chamar de viado. – meu senso de humor é imortal.
- Foda-se. Parou um carro preto lá fora. Se parece muito com o do Boris.
- E você viu se o Solonik estava junto.
- Só o Boris.
- Ótimo. O Solonik seria um problema, o Boris, não. Respira fundo, enxuga o suor e vai lá abrir pra ele.
Sergey virou-se de costas e fui cumprir suas ordens.
- Sergey!
Parou no meio do caminho, sua ansiedade era facilmente perceptível.
- É melhor você ficar lá fora.

Eu realmente não sei por que implico tanto com o Sergey. Ele é obediente como um coelho assustado. Agora, penasndo bem, vai ver é por isso. Caminho até uma mesa velha e permanentemente manchada de vermelho. Rapidamente, separo um martelo, um machado, corda, álcool e um vidro com sangue envelhecido e tripas. Vou até a porta receber minha ilustre visita. Boris é um cara lamentavelmente comum. Nem alto, nem baixo. Nem gordo, nem magro. Peso morto. É um caso parecido com o de Sergey. Só está na família por ser irmão de Solonik.
- Bohr?! O que você faz aqui, meu camarada? – o cara é simpático, coitado.
- Eu que pergunto.
- Meu irmão Solo tá no meio de uma faxina e tá precisando de uns instrumentos. Você não acredita. O Vladimir sabe? O dono da padaria do Vlad. Então, tá lá, pendurado de cabeça pra baixo, há umas três horas, com a rôla de fora. O sangue subiu todo pra cabeça, que já tá mais roxa que a cabeça do pau do cara. O Solo tá esperando subir tudo pra ver se jorra sangue pela testa. Eu apostei que não dá. Ele apostou que sim. Quem ganhar leva o mindinho.
- Legal sua história. Mas isso significa que você ainda não sabe, não é? – deixei de papo furado.
- Não sei? Sei?

Com uma força inigualável, lancei minha testa ao nariz de Boris. Ele caiu rápido, implacável. No chão, seus olhos esboçaram uma reação. Pisei em sua cara. Seus olhos permaneciam abertos. Pisei novamente. Apagou. Levantei-o sem maiores problemas. Joguei seu corpo mole e fraco na mesa. Amarrei os pés, a cabeça e os braços. Dali pra frente, ele era minha posse. Fui afiar o machado, enquanto ele continuava desmaiado. Uns bons minutos se passaram e escutei uns gemidos, que aumentaram rapidamente. Era uma sinfonia de dor. Música de verdade.
- MEU DEUS DO CÉU! O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO, BOHR?!?! QUE PORRA É ESSA?
- Que porra é essa? Bem, vou tentar sem breve. O Tristan, tá vendo ele ali? Então, ele é um puta dum viado. Aí eu gastei um pente inteiro nele. E aí você chegou. E agora você tá aqui. E é isso.
- DESGRAÇADO, FILHO DE UMA VAGABUNDA! ESPERA O SOLO DESCOBRIR. EU VOU ALMOÇAR A PORRA DO SEU CORAÇÃO. EU VOU BEBER O CARALHO DO SEU SANGUE!
- Meu amigo, preste atenção. Não me culpe por tudo o que vai acontecer com você nos próximos minutos. Culpe o destino. O acaso. Você só estava no lugar errado, na hora errada.
- AAARRRRRRRG, SEU...
Levantei o martelo o mais alto possível e com toda a força que coube nos meus braços, levei-o em direção aos dentes de Boris. Que os jogos comecem.