quarta-feira, 26 de maio de 2010

A (falta de) carinho na minha vida.

Eu e a madrugada, a madrugada e eu. O céu totalmente preto e minha vida iluminada por uma porra de uma Philips quarenta watts. O meu cu doendo pelos motivos certos. Eu cagava com certa e dolorida frequência já há dias. Eu precisando de uma mulher desesperadamente. Não necessariamente de uma boceta, de uma mulher. Eu sempre me enganando, dizendo não para a realidade, Eu não preciso de vocês, eu sou um cara do caralho, dizendo. E a realidade cuspindo na minha cara um muco com cheiro de lubrificação vaginal. O resumo da minha vida, meus amigos. O resumo da minha existência.
Minha ex-mulher continuava sendo minha ex-mulher. Eu lia Mirisola e Fante. Mirisola lambia azulejos e frequentava o quartinho da empregada, Fante alucinadamente apaixonado com a pica dentro da cueca. O filho morrendo e Bandini esperando a primavera. E nenhuma das ideias me era interessante. O trabalho a mesma merda de sempre. A vida de filho da puta. Eu marcava encontros atrás de encontros, discava no telefone com a mesma velocidade da minha primeira gozada. Coisa de segundos. E nenhuma das mulheres me era interessante. Eu tentando me manter forte. Eu me dando o direito de selecionar.
Os encontros duravam a mesma coisa que a minha habilidade na hora de discar ou a minha inabilidade para bater punhetas.
- Alô?
- Quem fala?
- É o Vito.
- Que Vito?
- Quer sair?
- Não.
E o silêncio. E isso era um encontro.

Eu me acostumava com o fracasso, me tornava ainda mais íntimo dele. Eu mandava ele se foder, lamber o cu da mãe e coisas desse calibre, mas ele insistia em manter contato. Insistente, esse tal fracasso. Eu pulava de bar em bar, sempre repetindo o processo. Buscar distância da multidão, beber o suficiente para sorrir, ficar imóvel, esperar as fêmeas se aproximarem. O processo sempre fluía até a quarta etapa. Ali empacava e ali ficava. Até o amanhecer, a dor e as lágrimas chegarem. O sofrimento como companhia. Eu chegando no bar e saudando o garçom. A estranha intimidade de novo.
Eu e a madrugada, a madrugada e eu. Passava das três da manhã e o processo ia fluindo naturalmente. Perdi um tempo a mais na segunda etapa, mas tudo estava indo de acordo com o planejado por Deus ou qualquer outro cara barbudo de turbante que criou as leis do homem e da humanidade e das outras pessoas que acompanham esses dois. O tal homem e a tal humanidade, inimigos até os ossos e o seu cálcio que revigora qualquer um.
A dor já havia chegado, o banheiro já havia sido utilizado. Só faltava as lágrimas chegarem para a festa. A FESTA DA LAMÚRIA. Beije-me, dor. Eu te quero, eu te desejo muito, eu dizia comigo mesmo, me divertindo com minha infelicidade. Um paradoxo e tanto, diria o meu professor de filosofia, que considerava tudo uma porra de um paradoxo.
- Professor, eu tô com um problema, sabe? – eu disse, certa vez.
- Diga, Vito. Abra-se. – ele era viado.
- Eu quero mais boquetes, mas minha namorada insiste em me beijar depois dos boquetes. EU NÃO QUERO GOSTO DE PICA NA MINHA CARA, EU QUERO BOQUETES. E agora?
- Um paradoxo e tanto, diria o meu professor de filosofia. – ele respondia.
Eu sempre aguardava uma conclusão, mas ela nunca veio. E ele saía, procurando algum calouro para chupar e um veterano para colocar o dedo no rabo dele. E eu até hoje não sei o que significa paradoxo, embora vivesse um nesse momento.

Eu pensava na vida e sentia a porra do Nilo se agitando atrás dos meus olhos. A crueldade da realidade sempre surtia esse efeito em mim. Ao menos desde que decidi me afundar na própria merda. A garganta cheia de bosta. E logo estaria tudo pronto e eu liberado para a minha casa e a minha parede mais bela de todas. Fante tinha um braço, eu tenho uma parede. E uma pica, obviamente. Uma bela pica. Pedi uma garrafa do pior vinho da casa para viagem, já prevendo o meu futuro e o futuro dessa madrugada do dia que eu não sei qual é. E ela parando do meu lado.
Cabelos castanhos, olhos finos e o sorriso mais divertido da minha vida tragicômica. A beleza do resto acompanhando a beleza do sorriso. Convide-me para a sua casa ou saia de perto de mim, eu disse. Ela puxou minha mão e me guiou até seu lugar, que ficava há umas três ou quatro ou cinco quadras dali. Nenhuma palavra no caminho. A mulher perfeita. A boceta a ser fodida, embora eu sentisse falta só de uma mulher mesmo.
Eu gosto de noites sem destino certo. A incerteza sempre foi minha grande paixão. Entramos em sua casa e tudo parecia de brinquedo. O sofá, a televisão, a geladeira. Tudo parecia de plástico, tudo parecia inflamável. E a minha cueca já apertada. Eu não sabia brincar e tinha minhas próprias necessidades. Desculpe, benzinho. Ela foi até a cozinha e trouxe um pouco de cerveja num copinho de brincar de casinha. Eu agradeci, tomei num gole só e depois me dediquei a acariciar o seu rosto com todo o cuidado do mundo. Os dedos passeando pela pele suave, ela sorrindo e eu apaixonado.
Ficamos nessa por uns minutos. Os dedos, as bochechas, os toques. Tudo lindo. O meu coração aquecido, a sensação da vida lutando para manter sua natureza. Eu me tornava cada vez melhor em descrever sensações e cada vez pior em descrever aparências. Sinal de que as coisas não iam bem para mim. Eu me tornando um ser humano melhor e bondoso e vendo aquela porra que realmente importa guardada dentro das pessoas, junto com os órgãos, os fluídos e toda aquela merda. Eu indo pro céu, beijando a cara de Cristo. Eu um cidadão do bem. Eu pagando meus impostos e indo buscar uma criança gordinha e fofinha na escola, meu filho. Eu me suicidando aos trinta e três.
Ela fechou os olhos e se entregou encarecidamente aos meus cuidados miseráveis. Tudo lindo. E eu ainda não sabia o nome da minha princesa, mas a apelidei de princesa.
- Princesa, eu te amo, princesa.
O silêncio e os olhos fechados.
- Princesa, eu não preciso de mais nada quando estou com você, princesa.
O silêncio e o corpo quente.
- Princesa, eu quero fazer amorzinho gostosinho com você, princesa.
O silêncio e o suicídio aos trinta e três.
- Princesa, tira essa porra dessa roupa, princesa.

A campainha tocou, ela abriu aqueles olhos miúdos e, num pulo, deixou meu colo e todo o meu amor inconveniente e incondicional. O corpo quente tremendo de alegria. E eu lá sentado esperando e pensando Essa agora?. A cabeça jogada pra trás e a mão na testa, refletindo sobre o quão ruim minha noite terminaria, ou começaria. As coisas andavam estranhas, confesso, e eu já não sabia mais o que esperar das surpresas. Das surpresas da vida. Aquelas coisinhas que fazem você achar que ainda vale a pena levantar de dia e deitar de noite. Aquelas coisinhas que fazem a sua barriga gelar como se você estivesse apaixonado. Porra nenhuma.
A porta abriu e um cara entrou. O cabelo caído nos olhos, o andar arrastado. Camisa de flanela, bermuda anos noventa do Palmeiras, chinelo de dedo. A voz doce, de criança ainda. Os braços finos, sem pelos, de criança ainda. Não cumprimentou, só passou, devagarzinho, pra cozinha. Abriu uma caixa de suco de laranja de criança ainda e tomou no gargalo. Ela olhou pra mim, mostrou aqueles dentes simpáticos e foi pro outro sofá. Ele foi e sentou-se do lado. A mão nos cabelos castanhos, a boca cada vez mais próxima, as pernas se relando em sinal de carinho e aceitação. Ela na dele. Ele na dela. Aquelas coisinhas que fazem a sua barriga gelar como se você estivesse apaixonado. Porra nenhuma.
Levantei, mijei na planta e saí. O silêncio e a juventude.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A (falta de) boceta na minha vida.

Era domingo e eu não tinha porra nenhuma para fazer. Eu admirava a minha parede e a poesia era a coisa mais bela na minha vida, naquele momento. Me lembrei de quando vi a morte agindo, naquela tarde estranha há sei lá quanto tempo. O tempo passa rápido quando você está na mesma merda. Jack ainda não falava direito comigo, e eu não era idolatrado há uns bons meses. E a única coisa que me mantinha distante disso tudo era a preguiça. Eu abraçava a letargia, mordia-a bem no meio da espinha, colocando toda a força do mundo nos meus maxilares. Mas eu era isso mesmo. Eu era essa massa imóvel e ignóbil, e nem fodendo que eu iria mudar agora, há essa altura do campeonato, não tão longe da morte assim. Que ela venha, eu não tenho medo de caralho encapuzado nenhum.
Mas eu me sentia só. No fundo, no lugar onde guardo os sentimentos mais imbecis, como compaixão, eu me sentia só. A solidão apertava meu peito ao mesmo tempo em que eu apertava minhas bolas, desejando uma boceta nova. Minha ex-mulher não lembrava de mim há um bom tempo e eu não tinha confiança para, simplesmente, buscar alguma boceta em algum lugar. Conseguir mulher é uma coisa, boceta é outra coisa. Abri uma garrafa de vodka e liguei no canal pornô. Um negro imenso enfiava tudo o que tinha em uma japonesinha. Peitos miúdos, olhinhos apertados, uma rôla gigantesca e lágrimas. E eu só conseguia pensar na mãe daqueles olhinhos apertados.
Desliguei e me senti enjoado. Meu estômago se revirava em sinal de repulsa. A mãe daqueles olhos, agora cobertos de porra, não saía do meu alcance. E respirar doía e eu preferia estar morto a estar excitado. Corri para o banheiro e bati uma punheta com a porta aberta. Ao fim, soquei meu estômago quatro vezes, com toda a força que minhas mãos conseguiram conter. O impacto me fez vomitar, mas nada saía. Água, um pouco de bolachas e sangue. Quando você não tem nada para vomitar, o seu corpo leva um pouco do seu sangue mesmo. É como se ele dissesse Você ainda tem bastante dessa merda, foda-se você, enquanto exalava aquilo que mantém você vivo. Eu estava, oficialmente, no fundo do poço.
Era domingo e eu não tinha porra nenhuma para fazer. Cogitei comprar um cachorro mas desisti assim que lembrei do meu primeiro animal de estimação. Era um coelho, e eu tinha sete anos. Lembrei do momento em que decidi abri-lo ao meio com uma faca, tirando o coraçãozinho, o pulmãozinho e todos aqueles outros órgãos tão pequenininhos. Lembrei que, logo em seguida, plantei-o nos fundos de casa. E reguei. E reguei. E reguei. Por três meses eu reguei o meu coelhinho todos os dias. Mas a minha árvore de coelhos nunca veio. E, hoje, isso me parece uma ideia um tanto quanto imbecil. Se ao menos eu tivesse tentado com um hamster.
Deitei, fechei os olhos e fiquei nessa. A vida indo.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Quando nem sua merda deseja você.

Eu estava sentado, fazendo força, de olhos fechados lendo alguma coisa e torcendo para a merda vir, mas ela insistia em permanecer dentro de mim. Toda a merda da minha vida habitava o meu estômago já a mais de uma semana e parecia gostar da vizinhança. Um fígado mal humorado, um coração maltratado, uns pulmões preguiçosos e o inútil do apêndice. Mas, apesar disso, eu não culpava minha merda. Ela só fazia o que era melhor para ela. Por pior que eu estivesse por dentro, eu estava melhor do que por fora. E o mundo por aqui já tem merda o suficiente, a concorrência seria desleal. Ela era, simplesmente, egoísta. Ela estava aprendendo a ser um ser humano. E por isso ela permanecia dentro de mim.
Terminei as palavras cruzadas, passei o papel no rabo só para confirmar o meu fracasso e subi minhas calças. Olhei para o espelho e tive nojo do que vi. Eu já vinha me enganando há alguns meses. Lendo livros de autoajuda e pagando meu psiquiatra para ele falar tudo o que eu queria ouvir. Você é um cara lindo, Vito. Você é um cara interessante, só precisa buscar isso dentro de você. Você é grande, Vito, ele dizia, seção após seção. Papo de quem quer foder alguma coisa. E com toda a certeza do mundo ele fazia muito mais sucesso que eu. Eu e minha mão direita. Minha amante e melhor amiga.
Vesti uma camiseta fina e um jeans cheirando a talco. Coisas de centenas de reais em um mero pedaço de pano. Aquilo era autoestima por centímetro quadrado, mas eu só encontrava a minha auto-piedade. E o meu estômago doía e o meu coração apertava. Fui até a geladeira, virei uma garrafa de leite dentro de meia garrafa de vodka, chacoalhei, guardei no cantil, tomei um gole de quinze segundos e saí pela porta, fugindo do espelho da mesma forma que o homem moderno foge de casamento. E eu conjugava frases imensas na minha cabeça. Frases que precisariam de muitas vírgulas e muita paciência para serem escritas ou lidas. Mas elas insistiam em sair uma merda. Escrever era a única maneira de expelir a merda de dentro de mim. E o resultado eram textos de merda, assim como anúncios e títulos de bosta.
Eu caminhava pela rua. Uma festa rolava não muito longe dali e aquele seria o meu destino da noite. Fui a pé por orientação do meu cardiologista, alguém que eu pago para falar tudo aquilo o que eu não quero ouvir. Você está fodido, Vito. Você é um cara que não vai durar muito, só tem mais uns seis anos pela frente. Você é frágil, Vito, ele dizia, seção após seção. E eu ria, e rir fazia meu cérebro doer. Era uma sensação de estranheza. A felicidade era rara. Eu busquei uma explicação para meu riso e para minha alegria. Chacoalhei meu cantil e percebi que nada mais restava. E aquele era o fim do mistério.
Cheguei ao meu destino. KropKrop. Um lugar escuro, do tipo que passa batido, que se camufla com a paisagem da cidade. O que todo mundo sabe não se tratar de algo bom. A garota da porta me cumprimentou com um beijo no rosto e uma intimidade um tanto quanto estranha, mas compreensível. Eu já havia passado várias noites por ali. Às vezes sozinho, às vezes acompanhado, sempre bêbado e sempre com um ar de superior que eu já não era mais capaz de sustentar. Mas foi bom sentir um pouco de afeto. Ela era loira, magra, com um rosto triste. E eu a amava, naquele instante. Paguei a metade do preço para entrar, pisquei para a outra garota da porta. Ela era loira, magra, com um rosto cansado. E eu a amava muito, naquele instante. A vodka com leite já havia acabado e me apaixonar era tudo o que me restava.
Entrei e a música veio alto na minha cara, cuspindo nos meus ouvidos um monte de mensagens vazias e efeitos irritantes de guitarra. Eu conhecia muita gente ali. Eu cumprimentava com a cabeça e vez ou outra com uma das mãos, mas nunca me dando ao trabalho de ser agradável ou de deixar transparecer a minha simpatia. Meu peito estava estufado, meus ombros mais duros do que minha própria pica. E eu queria parecer alguém. Eu queria ser notado, só para poder reclamar do fato de ninguém me deixar em paz. Peguei três cervejas no bar, fiz minha melhor pose e me encaixei no balcão. O corpo esticado, a mão no bolso, bebendo uma cerveja atrás da outra. E a bandinha falando sobre bossa nova e labirintite.
Eu vi um cara cair de tanto beber e fumar maconha e abrir um rasgo na mão. E eu o achei a pessoa mais incrível do mundo, morrendo de vontade de abraçá-lo. Isso porque ele conseguia sangrar, ele conseguia deixar sair a vida de dentro dele. E a bandinha falando de labirintite. A ironia era engraçada e o guitarrista um filho da puta. As melhores garotas da festa olhavam para ele, passando a mão pelo corpo, jogando o cabelo, sendo estúpidas, sendo mulher. Soquei a parede de raiva e eu estava oficialmente bêbado.
Fui ao banheiro mijar. Tirei minha imensa pica de dentro da calça e segurei-a orgulhoso com a mão direita. Um cara de cabelo alisado, jaqueta de couro, calça número trinta e quatro e camiseta tamanho doze entrou e parou do meu lado. Ele abria o zíper quando deu uma conferida no meu pau. Fechou o zíper, abaixou a cabeça e saiu pela porta. SIM, MEU AMIGO, MEU PAU É ENORME E É MUITO MAIOR QUE O SEU, SEU BICHA, eu gritei as minhas verdades. Terminei de mijar, guardei o causador da discórdia, fechei o zíper e fui saindo sem lavar as mãos. Até que o segurança apareceu na minha frente. Uma parede preta. Dois metros e cento e quarenta quilos de fome, miséria e sete filhos para criar.
- Não pode fumar maconha no banheiro. – disse ele.
- No banheiro, não, mas na sua aldeia tá rolando maconha pra caralho, não é? – eu disse e depois sorri.
- Eu tô falando sério. Não pode fumar maconha aqui.
- Amigo, eu não estava fumando maconha. Eu simplesmente estava mijando, ok? Se eu quisesse fumar maconha você saberia. Eu compraria com você.
- Cadê o baseado, seu filho de uma puta?
- EU JÁ FALEI QUE EU TAVA MIJANDO. MIJANDO. MIJO. AMARELO. AMÔNIA.
- Mão na parede e abre as pernas.
Eu abri o zíper disfarçadamente e o fiz. Ele começou a me revistar. Começou pelo tronco, os bolsos do casaco, os bolsos das calças, olhava para mim como seu bisavô olhava para o seu senhor. Ele se ajoelhou e começou a revistar minhas pernas.
- MEU AMIGO. MEU AMIGO. MEU AMIGO. – gritei para o meu amigo macaco.
Ele, ajoelhado, olhou para cima.
- PRESENTINHO PRA VOCÊ.
Abaixei minha cueca e a minha pica caiu bem em cima daquela testa escura dele. Era como um segundo nariz. E era engraçado para caralho. Os olhos brancos arregalados, a pupila se confundia com o resto do rosto. E a cara de choque. E a piroca nariz. Fechei meu zíper pela segunda vez, ele respirou fundo, se levantou e saiu do banheiro. O cheiro que saía era de desejo. Desejo de homicídio. Ele tinha uma necessidade absurda de me matar, mas uma necessidade ainda maior de alimentar as vinte e sete boquinhas negras na aldeia dele. Senti um pouco de confiança novamente, lavei as mãos e saí do banheiro.

Eu passava por aquele mar de gente, deixando meu ombro falar mais alto. De vez em quando levantava o queixo, era a mensagem, era o convite para a morte. Ninguém nunca aceitava. Eu era a porra do macho alfa, do leão dominante, do ditador. Eu era a porra do Adolf Hitler. Isso até alguém aceitar o meu convite para a morte e eu voltar a ser o pedaço de merda que sou. Mas, até lá, eu era tudo isso. E seguia solitário.
Peguei mais três cervejas e tomei as três em três goles. Três mais três mais três é igual a nove e isso foi o suficiente para eu dar nove reais de gorjeta para a garota do caixa. Compra um sutien novo, babe. Você tem peitos deliciosos, eles merecem algo melhor, eu disse. Ela sorriu e concordou com a cabeça, mas eu sabia que ela gastaria aquele dinheiro comprando um teste de gravidez ou algo do tipo.
E agora eu estava alucinado, rangendo os dentes, procurando briga e boceta. Boceta e briga. Pedi mais duas cervejas e saí pela festa com uma em cada mão, decidindo minhas prioridades. Briga e boceta. Boceta e briga. Encontrei uma das meninas mais lindas do lugar e eu já sabia bem o que queria. Os cabelos eram ruivos e o rosto levemente redondo. E eu estava apaixonado pela terceira vez na noite. Ensaiei algumas frases e me aproximei.
- Você. É. Linda. – e isso foi o melhor que eu tinha pra dizer.
- Obrigada. – e isso foi o melhor que ela tinha pra dizer.
- Se eu te beijar você vai ficar muito brava?
- Provavelmente. Eu tenho alguém.
- E cadê ele?
- Em outra cidade.
- Isso significa que, aqui, você pode ser minha.
- O problema não é poder, o problema é querer.

E TUDO VEIO ABAIXO. TODA A AUTOESTIMA QUE VIM CONSTRUINDO AO LONGO DA NOITE. O OMBRO DE PEDRA, O QUEIXO ERGUIDO, A PICA NARIZ, O MEU PSIQUIATRA. TUDO VIROU LIXO. TUDO VIROU MERDA E ENTROU NO MEU ESTÔMAGO, JUNTO COM AS OUTRAS MERDAS PATRIARCAS. Abaixei minha cabeça e fui saindo. Ela me chamou.
- Meu, vem aqui.
Eu parei em frente a ela. Só a carcaça de um ser humano.
- Desculpa se fui grossa. Sério.
- Tudo bem. A grosseria é algo intrínseco de vocês, mulheres, eu compreendo perfeitamente.
- Olha, não foi minha intenção. É que eu realmente tenho alguém. Esse cara, sabe, eu sou apaixonada por ele há anos. Muitos e muitos anos. E não falo com ele a meses. Meses e muitos meses. E hoje, HOJE, ele me ligou. E eu tô radiante, meu. Eu sou uma porra de uma estrela no céu. Você não vê? Eu estou brilhando de alegria. Eu não consigo pensar em absolutamente mais nada.
- Ele fez isso só pra te comer, você sabe.

Ela ignorou a minha estupidez e continuou falando por muito tempo. E nesse muito tempo eu fiz questão de expor toda a nojeira da raça masculina. Tudo o que há de pior sobre nós. Toda a nossa merda guardada na vizinhança do meu estômago, e no estômago de cada homem filho de uma puta como eu. E ela só ouvia, com aquele sorriso lindo no rosto. Ela ouvia e aceitava, e sabia que era verdade, e sabia que precisava daquilo para viver e sobreviver. E eu me sentia triste por mim e feliz por ela. Uma conformista. Uma linda conformista, capaz de conviver com um macaco albino como eu. Ela me abraçava e sorria. E fazia questão de ser linda a cada segundo. E eu sujo, desenvolvendo minha sujeira pela minha boca que só cuspia aquilo que deveria ficar guardado. E ficamos naquela por um tempo. O tempo passou, ela me abraçou, eu acabei com a minha imagem ou com o que restava da minha dignidade, ela me abraçou mais uma vez e se foi, antes que eu pudesse saber o nome dela. Ela com aquele cabelo vermelho e aquele rostinho.
Fiquei parado olhando pro nada por quase uma hora. O sol nascia lá fora e não tinha quase mais ninguém ao meu redor. E eu me senti em casa e me senti solitário e deprimido. Abri a porta e saí, com a garota da porta me dando tchau com o mesmo beijo no rosto, o mesmo cabelo loiro, a mesma magreza e a mesma cara de triste. Mas eu já não era mais capaz de me apaixonar. Eu era um descrente e a paixão já não fazia mais parte do meu leque de sentimentos.
Fui caminhando pelas ruas. A cabeça baixa e o coração em frangalhos. Chutando latas e pisando em anúncios e folhetos. E pisando no meu trabalho e no meu futuro. Cheguei em casa, escrevi alguma coisa na parede e fui para o banheiro. Abaixei minhas calças, sentei, fiz força e consegui. Finalmente. A merda saía. Eu conseguia expulsar parte da merda que estava dentro de mim a tanto tempo. Eu ouvia choros e despedidas. A merda dando adeus ao fígado, que resmungava de dor. O coração maltratado, chorando por ser tão pobrezinho. Os pulmões em casa, chorando por terem trabalhado. Eu chorando por dentro e por fora. Cagar era uma emoção. Ver a merda deixar meu corpo era uma emoção. E as lágrimas escorrendo na mesma proporção que a merda ia descendo. Fechei os olhos e senti a vida me deixar. O fim de semana tinha acabado e eu estava sozinho mais uma vez.