quinta-feira, 23 de junho de 2011

Sobre desperdiçar a vida.

Eu já havia passado o dia inteiro bebendo. Sozinho em casa e bebendo. Era feriado, provavelmente coisa de algum santo ou algo do tipo. E enquanto todo mundo tinha alguma coisa útil para fazer ou alguém para abraçar e beijar e amar a única coisa que eu tinha era um pouco de cerveja na geladeira e um monte de tempo livre e falta de juízo na minha cabeça de vinte e dois anos. Na noite anterior, haviam comentado que eu era um bebê. E eu, sinceramente, achei isso uma grande merda. Ó, olhem só para ele, tão jovenzinho, tão tadinhozinho... Olha só como ele é gordinho e fofo e grande e pequeninho ao mesmo tempo. Eu simplesmente estava cansado dessa porra desse olhar de piedade e dó das pessoas diante de mim. Vocês não imaginam o quão fodido eu sou, então nem comecem. NEM COMECEM.
Mas, enfim, eu já havia bebido o dia inteiro. E como todas as coisas boas da vida, uma hora a bebida chegou ao fim. E eu não sabia mais o que fazer. Era como se a minha vida tivesse perdido o sentido no momento em que a última gota desceu pela minha garganta. Mas isso só hoje. Eu não tenho um problema, acreditem. É a questão da ocasião. A OCASIÃO É O QUE ME CONSOME. O VAZIO E TUDO MAIS. Mas fodam-se vocês e foda-se a minha sanidade e foda-se o que eu acredito ser um problema ou uma virtude. Foda-se essa porra toda e vamos voltar ao que interessa.
Os escritores de verdade diriam que eu sôo repetitivo. É sempre a mesma lamúria, a mesma choradeira, a mesma frescura, a mesma bebida. Eu espero que vocês morram. Eu nunca disse que escrevo para me sentir bem. Eu nunca disse que escrevo me preocupando com vocês. Na verdade, eu escrevo pra mim e para eu não perder o pouco controle que ainda tenho sobre minhas atitudes. E quando isso não funcionar mais eu pararei de escrever e vocês precisarão criticar algum outro jovem babaca que acha que tem algum talento. Demolidores de sonhos, vocês não são nada. E olha só essa história perdendo o formato de novo e virando uma porra de um querido diário. Podem criticar isso à vontade. Isso aqui não se trata de Vito Beaumont, se trata de Victor Carvalho.
Eu só sei que depois que a bebida acabou e a TV parou de passar algo interessante (como se em algum momento ela tivesse sido interessante de fato) eu saí de casa em busca de um pouco mais de bebida e quem sabe de um novo amor. Apesar de que o segundo item fazia parte do meu dia a dia. Eu sempre estava em busca de um novo amor ou algo do tipo. Obviamente, isso nunca funcionou. Mas dizem que é preciso desistir do amor para encontrar um novo amor. Até então, eu não havia desistido. E talvez assim eu fique melhor, alimentando falsas esperanças e sem nada concreto. Vocês sabem, eu não mereço ninguém nesse exato momento. E sabe-se lá DEUS se vou merecer algum dia.
Eu só sei que fui até o supermercado e comprei um pouco mais de cerveja e alguns pães. Casais se beijavam na fila do caixa e eu achava aquilo tudo simplesmente nojento. É engraçado como todo mundo se ama nos fins de semana e nos feriados. Rolinhos e enrolações e grandes amores e tudo mais. Mas eu consegui um pouco mais de cerveja e alguns pães. Poucos minutos depois, a cerveja já havia acabado e os pães estavam intactos. Serei sincero, nem faço ideia do porquê de eu ter comprado aquelas merdas. Eu nem gosto tanto assim de pão. Mas isso não é da conta de vocês e na verdade isso nunca deveria ir para o papel. Tenho vergonha da minha ausência de talento literária. Muita vergonha. Bukowski, Fante, lamento mas eu decepcionei vocês. Mas, pensando bem, pelo menos eu ganho um pouco de dinheiro com essa merda aos vinte e dois anos. Superem isso, babacas.
E eu estava de novo sem cerveja e sem vontade de parar de beber. Já era nove da noite ou algo assim e, sinceramente, eu não sei como havia suportado até aqui. Só sei que se funcionou até então, agora não é a hora de parar. Eu estava sentado em um banquinho qualquer na cozinha. A máquina de lavar berrava na área de serviço. Uma caneca cheia de cerveja, a última cerveja, nas minhas mãos. O olhar pra baixo, desesperançoso, fixo para o nada. E a máquina se esgoelando em um uníssono de limpeza e brancura. Dallas Green se dilacerava em canções mais bonitas do que o coração humano podia suportar e eu cantava aquilo tudo em plenos pulmões. E me achava o máximo. Ó, como eu me achava o máximo. Minha voz era música para os meus próprios ouvidos e aquilo era bom e lindo e me fazia mais forte. Era como se ele cantasse aquilo tudo pra mim e eu pegava aquela beleza toda e recriava e reinventava.

What have the demons done?
What have the demons done?

Ele se questionava e eu me esforçava para buscar uma resposta, mas nunca as encontrei nem nunca as encontrarei. É tudo uma parada retórica. Perguntas que a gente se faz sabendo que não há uma resposta ou solução. Que saudades do meu cachorro, do brilho nos meus olhos. Que saudade. A minha vizinha da frente está com um cara na área de serviço. Ele parece legal, parece que vai cuidar bem dela. Ela merece um cara legal. Eu nem sei o nome dela, mas ela merece. Afinal, eu não estou afim de ouvir gritarias e presenciar um ASSASSINATO nos próximos meses. Então é bom que esse cara seja legal nesse mundo onde todo mundo é doente e todo mundo só está em busca de foder os outros pelo cu. Depois da super valorização do pênis e da vagina, estamos vivendo a super valorização do cu. Todo mundo tenta foder o outro da forma mais dolorosa possível. E sem dúvidas algumas pessoas conseguiram isso comigo. Tanto é que ainda fico nessas de beber o dia todo e depois escrever sobre as merdas do dia. Já é quase um ano com a mesma ladainha, a mesma historinha. Mimimimi e o caralho a quatro.
A cerveja havia se esgotado, a minha vontade de me manter firme também. Eu não tinha mais onde recorrer, embora eu ainda precisasse daquilo tudo. Ainda era nove e pouco da noite e eu ainda tinha umas boas horas pela frente. E sem aquilo não daria para seguir em frente tranquilo, com um sorriso no rosto. Não daria. Simplesmente não daria. Botei um casaco, uma calça decente e subi a rua. Vocês veem, graças a Deus Nosso Senhor eu moro perto de uma porrada de bares. É como se todo mundo tivesse os mesmos problemas que eu, as mesmas dores. Ou simplesmente é como se todo mundo gostasse de beber um pouco.
Fui subindo a rua, confiante como Michelangelo ou como qualquer outro cara que SABE o que está fazendo. Eu pisava com firmeza, com orgulho, com honra. Como um nobre cavalheiro no caminho de encontrar sua donzela e salvá-la de uma torre escura e triste que já a aprisiona há tanto tempo. E várias donzelas desse tipo já passaram pelas minhas mãos. Mas nenhuma quis ser resgatada, nenhuma quis ser salva, nenhuma quis a felicidade. Azar o delas, azar o meu. Quem sofre sou eu. Eu aqui, pronto para dar o MUNDO para quem quer que aceite. Pronto e QUERENDO isso. E elas ainda se satisfazem com a falsa sensação de alegria que outro babaca qualquer é capaz de transmitir a elas. E eu fico aqui, escrevendo essas coisinhas. Quem está melhor, eu te pergunto? É, eu sei. Eu sei bem.
Mas finalmente eu havia chegado lá. Bares e mais bares, um ao lado do outro. Pessoas e mais pessoas, grandes grupos de lindas pessoas amontoadas em mesas. Todos são só sorrisos, todos se abraçam e contam grandes histórias emocionantes e muito divertidas, aparentemente. É como se a vida de todos fizesse muito mais sentido que a porra da minha vida. O cenário era deprimente, se vocês querem saber. Aquele monte de gente, aquele monte de gente bonita. E eu. Eu. Sozinho e envergonhado com o ponto onde as coisas chegaram, simplesmente em busca de um pouco mais de bebida para ir até o fim do dia com tranquilidade e com a consciência limpa de que as coisas melhorariam depois de um tempo. As pessoas me olhavam com um certo peso no olhar. Peso e pêsame. Era aquele mesmo olhar de dó misturado com um ar de desdém. Todos ali eram melhores que eu em alguma coisa e isso definitivamente não me ajudava muito. Entrei na primeira porta que vi aberta logo que virei a esquina. Meu paraíso, meu objetivo primário, minha carga preciosa, minha Brigitte Bardot.
Caminhei devagar até o balcão. Apreciando cada momento daquilo tudo. Os olhares, a geladeira cheia, aquele garçom que salvaria o resto da minha noite, o velho do caixa que contava os minguados Reais. Alívio, um verdadeiro alívio. Parei de frente com o garçom atrás do balcão. Um cara de meia idade, uma tentativa de bigode acima dos lábios, os olhos um pouco confusos, o cabelo começando a cair. Esforçava-se secretamente para parecer jovem, talvez querendo esconder a tristeza de ser um senhor e ainda ser um garçom de bar de esquina. Enfim, parei diante dele.
- Amigo, ô amigo.
Ele me olhou em um profundo silêncio. Limpava um copo com certo cuidado.
- Me vê uma cerveja, por favor. Uma não, duas cervejas. Me vê umas cervejas aí.
Ele me olhou bem profundamente com aqueles mesmos olhos de antes.
- Olha, amigo, eu acho melhor não. – foi o que ele disse.
- Como assim “melhor não”?
- Eu acho que você já bebeu o bastante.
- Eu digo quando eu bebi o bastante. – foi o que eu disse.
- Não. Sério. Você já bebeu o bastante. Eu sei como é a sensação e eu sei que agora é a hora de parar.
- Olha, homem, só eu sei como é a sensação. Só eu sei como é ser tão fodido ao ponto de não conseguir seguir adiante de cara limpa. Só eu, e mais ninguém.
- O mundo tem mais de sete BILHÕES de pessoas. Você realmente acha que você é o único?
Eu não soube o que responder.
- Não, você não é o único. Você é só um moleque com dózinha de si mesmo.
Eu não soube o que responder.
- Por isso que eu não vou te servir outra cerveja.
Eu, de novo, não soube o que responder.
- Sem contar que você está de pijama.

Eu olhei para baixo e percebi que ele tinha razão. Eu ainda estava de pijama. Era como um pesadelo. Um pesadelo dentro de outro pesadelo que eu chamo de VIDA. Um chinelo havia escapado do meu pé. O calcei novamente e voltei meus passos para casa, mais envergonhado do que nunca. Eu sabia que todos me olhavam enquanto eu voltava fracassado. Eu tinha plena certeza disso. Aquele monte de gente bonita, de gente divertida, de gente interessante, me olhando e comentando entre si e entre risadas e entre sorrisos brancos sobre o quão infeliz e imbecil eu era. Mas ainda assim, segui quieto, sem olhar para trás. De pijamas. Cheguei em casa, abri a geladeira novamente só para constatar de que a cerveja havia, de fato, acabado. Deitei e dormi. Para o bem ou para o mal, a vida seguia em frente.

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