terça-feira, 21 de junho de 2011

Essa noite eu me olhei no espelho.

Eu não sei por que eu o fiz, mas eu o fiz. Eu fui até meu banheiro, coloquei-me em frente ao meu espelho e olhei pro meu deformado rosto. E tudo continuava da mesma forma. Nada lá era passível de ser apreciado ou até mesmo elevado a algum certo grau de importância. Nada naquela massa bagunçada era algo digno de ser comentado pelo sexo feminino ou por qualquer outra pessoa, ao menos não sob a luz intensa do sol e dessa porra toda descoberta e criada por Darwin. Absolutamente nada. Eu passava a mão sobre meu rosto, incrédulo. Sem entender. Perguntava-me: Por quê? Por quê? Não existe castigo maior do que ter nascido na minha pele, com a minha cabeça, com a minha memória. E talvez vocês citem a fome na África e o holocausto e todo o diabo de ruim que acontece diariamente no nosso planeta faminto e racista, mas eu continuo firme na minha posição. É uma merda ser o que eu sou. É uma merda ter que acordar todos os dias sendo o que sou. É uma merda respirar o ar que eu respiro, mesmo sabendo que eu não sou digno de nada disso. É uma merda, como tudo em mim. A começar pelos meus olhos. É, meus olhos. Eles já não funcionam direito há certo tempo, na verdade, eu nem me lembro mais sobre como é ter uma visão DECENTE e não usar esses óculos. Uma vadia certa vez disse que meus olhos eram tristes e sem graça. E ela não disse isso com um ar de compaixão ou algo do tipo. Era um ar de verdade, do alto da sua mais pura e divina capacidade de ser uma vadia. E eu engoli e digeri cada uma daquelas palavras, levando para mim como a verdade definitiva. Vadias são vadias, mas ainda assim são mais inteligentes que noventa por cento da população mundial. Fazer o mal, foder com corações que um dia foram bons e com algum resquício de alegria exige uma capacidade MONSTRUOSA, literalmente. Minha ex-mulher que o diga. Pensando bem, se eu pudesse eu furaria meus olhos, mas aí essa minha vidinha de bosta se tornaria numa grande mitologia bíblica e eu já sou problemático o bastante pra foder ainda mais com o que resta da minha HUMANIDADE. Mas se fossem só meus olhos o problema, tudo bem. Eu seria um homem e tanto e um homem feliz. American way of life e o cacete a quatro. O bom marido que um dia eu vou ser, porque eu simplesmente VIVO por elas. Passeio no Ibirapuera com piquenique e carinho no rosto. Porque eu simplesmente sou assim, cacete, algum problema? Mas eu também tenho as minhas bochechas eternamente caídas. Um dia elas foram vivas, para cima, como se eu estivesse constantemente sorrindo, aplaudindo o por do sol na areia fofa de uma praia deserta, segurando na mão do meu amorzinho. Mas hoje elas são caídas, apontam pro chão, apontam para o inferno. A vida e fodeção de pensamentos ruins que manda no meu consciente, no meu subconsciente, no meu id, no meu ego e no meu superego jogaram elas para baixo. O que, obviamente, não colaborou com a minha aparência, nem muito menos com a minha autoestima. Eu sabia muito bem que me olhar no espelho me faria mal. Eu sempre soube, eu nunca tive dúvidas disso. Mas ainda assim eu o fiz. Deve fazer parte do meu lado masoquista e outras coisas que aquele cara que atende pela alcunha de Freud explicaria de alguma maneira óbvia com alguma palavra besta, tipo “Batatas”. Mas Freud, no fundo, é um cara e tanto. Terapeutas são um cara e tanto, na verdade. A minha, por exemplo, deve me adorar. É a única explicação para uma pessoa aceitar escutar tamanha carga de merda e autopiedade nas primeiras horas da manhã. Nenhum dinheiro justifica essa merda. Nada. Mas ela deve me achar um cara interessante, ou melhor, um caso interessante. Embora ela ostente uma bela aliança, provavelmente sendo casada com um homem LINDO e INTELIGENTE e INTERESSANTE. Tudo o que eu nunca fui. Tudo o que eu nunca serei. Mas vale a reflexão sobre o quão fodida uma simples pessoa pode te deixar. Comigo, um passo pra frente sempre serão cinco para trás. E o piquenique no Ibirapuera cada vez mais distante. Eu não peço nada demais, vocês veem? Nunca pedi. Só quis ser uma pessoa decente o suficiente para fazer meus pais felizes e conseguir uma boa mulher que consiga ignorar TUDO o que há de FILHO DA PUTA sobre mim e sobre minha aparência e sobre tudo. Embora o fato de ter uma mulher ao meu lado faz tudo isso desaparecer. Minhas bochechas sobem, meus olhos se enchem de alegria. Talvez isso tenha se transformado num vício, como a bebida. E talvez eu não queira me livrar dessa merda desse vício tão cedo, até porque ele me persegue nos meus sonhos. Mas tudo o que eu sempre quis foi chegar aos pés do que meus avós foram e são e serão. Mas já vi que não vai dar. Vinte aninhos e alguma coisinha. Um prodígio, um geniozinho, uma fofura, um cara muito legal que sempre me aconselha e sempre é bem útil quando eu precise que ele seja útil. UM PUTA DE UM BABACA DE MERDA, ISSO SIM. O espelho nunca mente, vocês sabem. O que uma pessoa escreve enquanto caminha pelas trevas nunca mente, vocês sabem. São essas pequenas merdas que definem a gente. Não é carreira, não é coração, não é a capacidade que eu tenho de fazer os outros darem risada da MINHA desgraça. São esses toques, essas palavras e o que há de mais sujo e desprezível na minha mente que definem o que eu sou. Uma vergonha para a pessoa que menos esperava algo de mim: Eu mesmo. Até eu mesmo eu decepcionei. Logo eu, que nunca depositei alguma esperança na minha capacidade ou no meu talento para a felicidade. E eu só consigo escrever triste e talvez eu continue escrevendo meu livro e talvez eu fique famoso com isso e ganhe algum prêmio babaca e alguma estudante de filosofia da usp consiga olhar pra mim e enxergar alguma coisa que, na verdade, sempre esteve aqui. E talvez eu me force a amá-la e vá para os meus piqueniques no Ibirapuera, segurando naquelas mãos mal lavadas dela, acariciando aquele cabelo nojento. Nojo e desgosto em troca de amor. Eu busco algo de inteligente para dizer, mas não sai mais nada. A cerveja acabou e eu continuo no mesmo lugar. Está escuro, bem escuro. A única coisa que me ilumina é essa luz suja de computador. E lá fora, no mundo real, casais se amam e se abraçam em meio a declarações de amor, muitas vezes mentirosas e banais. Como todas aquelas que um dia eu escutei. E eu só tenho as minhas ceroulas, o que talvez seja o maior gesto de carinho que eu já fiz comigo mesmo. Enfim, essa merda já está indo longe demais, como todas as outras merdas da minha vida. Aparentemente, não há horizonte suficiente para todas as merdas da minha vida. E vocês sabem que, se não há horizonte, não há futuro, ou perspectiva, ou tudo de bom que o futuro e a perspectiva possam trazer. Eu saio da frente do espelho, deito a cabeça no travesseiro e tento dormir, sabendo com absoluta clareza, que o estrago já foi feito. E muito bem feito.

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