sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Poesia é chato pra caralho.

O dia já começou sem necessidade. O céu mais sem vida que a minha alma, o sol mais envergonhado que minhas ex-mulheres. Foderam com a vida dela no dia em que foderam comigo. Meu pau é um destruidor de bocetas. Um destruidor de sonhos. E eu me orgulho disso. O que me resta de orgulho é isso. A vida vazia e a maneira errada que eu tenho de lidar com ela. Quando sua vida é um branco sem fim, o negócio é aceitar e deixar o nada te engolir, começando pelo seu coração. Mas eu não. Eu, o grande Vito Beaumont, desempregado e virgem, não. Eu busco uma maneira de dar sentido à minha vida. Passo o dia bebendo, batendo punheta e me arrastando pelos cantos. Vomito também. Vomito bastante, tentando me convencer de que isso é melhor do que nada. O nada e toda sua relatividade do caralho. Eu escrevo sobre o nada, me alimento do nada e escuto o nada conversando comigo todas as noites. É quase um monólogo. Ele fala sozinho e eu escuto e obedeço e penso Caralho, isso é genial.
E eu sou um filho da puta. Leio bastante E. E Cummings, também. É, isso mesmo. E. E. Cummings. É uma bosta, mas eu sigo lendo. Página após página, decepção após decepção. Poesia é a música dos fracassados. Dos que se autointitulam bons demais para escrever algo que não busque um sentido só na cabeça do próprio autor. Vocês sabem, todo poeta escreve com o único propósito de comer bocetas tolas e, supostamente, sensíveis. Expressar a dor e os sentimentos é a puta que pariu. É a boceta da santíssima mãe deles. Vocês sabem, poetas sempre têm aquela conversa de que a poesia é que os mantém vivos. De que se não fosse as palavras e todo o poder terapêutico e inútil delas eles não estariam mais aqui, nessa porra dessa Terra de merda. O grande caralho. Quem faz isso por eles é a metanfetamina. Crystal meth, filho da puta. Cheirei uma carreira de cocaína e me lembrei da última vez em que topei com um poeta. Era um bar como todos os outros. Não era sujo como Bukowski gosta de descrever todo santo bar em que ele já esteve na vida. Era só um bar. Tinha bêbados, mendigos, casais, putas e gordas com pouca roupa. Um bar de cidade pequena. O hábitat natural daqueles que não são porra nenhuma. O paraíso dos que querem ser mas nunca serão. A boceta da santíssima mãe deles, eu já disse.
Eu estava lá, bebendo e não fazendo nada além disso. Eu já me encaminhava para o lixo que sou hoje. Eu estava lá, bebendo. E aí veio o poetinha. Pediu uma dose de martíni ou algo do tipo. Um daqueles drinks que vinha numa taça especial, com algum ingrediente secreto. Como se ele fosse melhor que todo mundo ali para beber em uma porra de um copo como todos os outros. Enfim, ele tomou aquele drink num gole só e olhou para mim com o canto dos olhos. Os olhos deles diziam Olha só como eu bebo. Eu pareço frágil por ser inteligente, mas por dentro sou um rio de dor que só se alivia bebendo dessa maneira autoafirmativa. Tudo isso naqueles olhos fundos e escuros. Eu realmente me incomodei, mas depois me senti aliviado. Antes ele falar com os olhos do que abrir a boca pra dizer algo. Ele pediu mais um ou dois drinks metidos, sempre repetindo o mesmo processo e dizendo as mesmas coisas. Eu bebia cerveja barata e lembrava da maneira nada romântica com que Hemingway deu fim na própria vida. Porra, espingarda na cara. É violento pra caralho. Realmente, o peso de ganhar (bem) a vida não fazendo nada além de escrever de pé deve ser insuportável. Todos têm a vida melhor que a minha. Eu gosto de imaginar o mundo assim para poder ter dó de mim mesmo à vontade. E foi aí que eu não gostei mais daquele lugar.
Eu vou beber o que ele beber, disse o poetinha. O garçom atendeu prontamente, sem imaginar o erro que estava cometendo. Ele deu um gole no copo igual ao meu e a de todos os outros e se esforçou ao máximo para não demonstrar repulsa. Uma lágrima escorreu e eu sorri. Segui com minha cerveja e meu Hemingway com suas dezessete virgens aguardando por ele no paraíso. O presente dos desertores. A vida e seu regime militar.
- Você é escritor, não é? - perguntou o poetinha.
- Não. Sou só infeliz mesmo.
- Um dos malditos, não é?
- Não. Sou só sem talento mesmo.
- Eu sabia. Escritores malditos deixam transparecer. Ó, doce ironia. Quanto mais tentam se esconder dos muros da sociedade e da verdade da humanidade, deixam transparecer a única e mais real das verdades. A escondida dentro de cada um.
- Tá beleza.
- De que lado você está? Um apaixonado como John Fante? Um rebelde como Charles Bukowski? Um lisérgico como Jack Kerouac?
- Eu?! EU?! EU ESTOU DO LADO DA VERDADE. EU SOU A VERDADE PERMANENTE E DEFINITIVA.
- Finalmente! Emoção de verdade! Isso é lindo! isso é o que você é! QUE COISA LINDA!
- VOCÊ DUVIDA DA MINHA VERDADE? VOCÊ DUVIDA DO QUE EU TE DIGO?
- MAIS! EU QUERO MAIS BELEZA!
- VOCÊ DUVIDA, HÃN?!

Virei meu pé em sua cara. Ele foi ao chão mais rápido que um negro sendo expulso de um ônibus há umas décadas atrás. Foi lindo. Ele chorava de emoção e seus olhos escuros oscilavam entre o encatamento e o pavor. Enfiei minha garrafa no meio de sua testa. Ela se abriu e a garrafa se partiu. Sentei em cima do seu peito e me dediquei única e exclusivamente a causar o máximo de danos possíveis naquele rostinho poético. A garrafa ia para cima, o sangue voava para baixo. A garrafa ia para baixo, o sangue voava para cima. E assim por diante. Soquei seu nariz até nao sentir mais nenhum osso inteiro por ali. Me levantei, cuspi em sua cara e mijei em seguida. Sangue, cuspe e mijo. Anteriormente, isso era um rosto. Deixei uns trocados no balcão, pedi outra cerveja e saí pela porta, aliviado por ter feito uma boa ação por aquele jovem aspirante a artista. Aquilo era poesia pura.

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