segunda-feira, 14 de junho de 2010

A vida de filho da puta.

Começou como um erro. É assim que Bukowski começa o seu primeiro romance. Cartas na Rua, e é mais genial do que qualquer coisa que eu posso escrever na minha vida. Meu livro tinha umas vinte e sete páginas há vinte e sete dias. Ou meses. E tudo era uma merda. O pior dos piores não limparia o cu com aquelas páginas. E eu aqui cogitando a possibilidade de inserir a palavra merda no meio do título. Merda.
Começou como um erro. Esse aqui sou eu, deitado no meu sofá há dois dias. Esse aqui sou eu, fedendo a vômito. E essa aqui é a minha sala, também fedendo a vômito. Passei mal depois de anos, passei mal depois de umas simples cervejas. Fraco. Foi ontem, ou antes de ontem. Eu não sei mais diferenciar o dia da noite uma vez que a minha vida não passa de trevas. O inferno do filho da puta. Mefistófeles me chamando para sentar na pica dele.
- Vem, Vito, vem.
- Nem rola, Mefistófeles.
- Porra, você sabe que você quer.
- Ainda não, Mefistófeles, eu preciso disso aqui um pouco mais.
E eu ficando mais um tempo por aqui, na mesma.

Começou como um erro, vocês sabem. Eu não sei o que se passava na minha cabeça naquele dia. Aquele dia em que eu acreditei que realmente pudesse viver sem ela. Aquele dia em que eu acreditei que realmente tinha uma vida própria. Algo além de mim, meu umbigo e toda a sujeira que eu varro pra debaixo do tapete. Eu só sei que fiz o que fiz. Tem alguns anos atrás. E, coincidência ou não, foi a partir dali que as coisas começaram a dar errado pra mim. E Mefistófeles começou a me chamar para a pica dele. CALMA AÍ, MEFISTÓFELES, PORRA.
Coincidência é o caralho. Coincidência é aquilo que as pessoas usam para justificar aquele trombão no meio da rua, numa terça-feira de chuva, que acabou em casamento. É só isso. A desculpa dos fracos e dos descrentes. É o que sustenta os ateus e todos aqueles caras que se acham mais inteligentes e mais interessantes por não acreditarem na existência de um cara de turbante barbado que dá ordens com aquele grande dedo branco fodedor de virgens. Deus é um cara gente fina, vocês sabem. Jesus é vacilão. Deus é gente fina. Tal pai, tal filho é a boceta da Madre Teresa.
Eu só sei que tinha anos que eu não vivia. Que eu não brilhava. Eu me alimentando da escuridão e dos que se acham suficientemente corajosos para encará-la. Essa grande brincadeira chamada vida. Eu continuava deitado no sofá, na mesma posição há uns dois ou três dias, coçando meus bagos e passando mal pela sétima vez. O vômito já seco no canto do meu apartamento e o cheiro que nunca passa. E eu ainda tinha um emprego. E amigos. E eu continuava me enganando. As lágrimas começaram a escorrer. Eram dias daquela mesma situação. As lágrimas sempre vinham sem ser convidadas. E ficavam. As malditas ficavam.
Eu chorava e socava tudo o que pudesse se partir e me causar dor. A punição dos fortes. A porta do armário em frangalhos, da mesma forma que meu coração e meus mais de vinte ossos em cada mão. E esse aqui sou eu, chutando a privada. E esse aqui sou eu, mostrando uma foto de mim mesmo chutando a privada para meus filhos.
- Porra, pai, que grande babaca você foi.
- Não fala assim, Vitinho. Eu não fui. Eu sou.
- Cadê a mamãe, papai?
- Não sei.
- Como assim, papai? Sinto falta da mamãe.
- Eu disse que eu sou um babaca, não disse?

Vai ver era só isso que eu queria. Uma mãe para meus filhos. A mulher da minha vida de volta. A única coisa que me fazia ser alguém feliz por alguns minutos, antes que eu me tornasse um estúpido movido pela minha pica e por minha falta de tato para lidar com o amor. O amor incondicional. Aquela coisinha que corta sua visão e enche seu coração de vida. Aquela coisinha que deixa a vida melhor, e pior, e melhor, e pior. Aquela coisinha que me fez levantar depois de dois dias de sofá, vômito e lágrimas. Fui até o meu quarto, peguei um lápis, voltei para a sala e para minha parede. E eu precisando desesperadamente da minha ex-mulher. O nome dela é Lia e eu acho que vinha alguma coisa antes. Tipo Mary, Maria, ou Beatriz. Algo assim. E, pensando bem, vai ver que é por isso que hoje eu estou sozinho, precisando dela da mesma forma que um cachorro precisa desabotoar aquela ponta vermelha no meio das quatro patas.

O amor. Essa porra chamada amor. Quem aqui sabe o que é amor, porra? ALGUÉM AQUI AMA? Onde está seu Deus agora? Amamos de tudo um pouco. Protetor solar, bocetas, paredes, livros. Amamos até a nós mesmos, de vez em quando (como alguém tem a capacidade de se amar, sem estar batendo uma bela punheta?). Se eu alimentasse a mesma habilidade para amar que eu tenho para bater punhetas eu estava feito. Eu juro por tudo o que há de mais sagrado: eu tento amar. Eu me esforço. Meu coração se contorce, implorando por um pouco disso. Por um pouco de calor. Nada que venha de uma vagina, por mais quente e agradável que ela seja. Um pouco de calor que vem lá do fundo do coração. Que rasga as artérias e ventrículos no meio. Que sobe pela porra do seu estômago e faz você vomitar de paixão. E a gente olha pro chão e pensa na vida, e pensa na morte, e pensa em amar. A gente num diálogo insistente e entorpecente com nós mesmos, nos convencendo de que as coisas são assim. De que precisamos abrir mão de algo para vivermos em comunidade. Para vivermos com uma porra de uma mulher. A mulher, vocês sabem. As fêmeas, que têm aquele negócio chamado BOCETÃO. E essa é a quinta ou sexta vez que a palavra boceta aparece por aqui. E isso significa que eu não vou navegar em uma boceta pelos próximos meses. Um velho barbudo do caralho fino disse uma vez que navegar era preciso. E eu não faço a mínima ideia do que ele quis dizer com isso. O que eu sei, meus caros amigos, lambedores de piroca e adoradores de paredes, É QUE EU PRECISO DE UM BOCETÃO NA MINHA CARA. Vocês sabem, aqueles lábios grandes e duros, com o meu nariz no meio deles, dividindo-os e abrindo caminho para um outro mundo. Um lugar onde só existe o gozo, o êxtase. Cocaína é como boceta, vocês sabem. A diferença é que, se você exagera em uma, o seu nariz sangra, na outra é o seu coração.

Eu estava ficando bom nisso. Nessa história de escrever com o coração, com o sentimento, com a dor. De deixar meu instinto ser o meu guia e mover minha mão para cima e para baixo, formando letras e poesia e beleza literária. E eu não via a hora de ser convidado para algum evento cheio de bocetinhas metidas a intelectuais, de sentar numa mesa, segurar um microfone, ouvir perguntas como Você teve a ideia de colocar a palavra, abre aspas, merda, fecha aspas, no título do seu livro para ir contra as imposições do governo acerca da liberdade de expressão dos novos grandes artistas brasileiros? E Bukowski? O que ele significa para você e como os, abre aspas, malditos, fecha aspas, influenciam o seu processo de criação literária? e responder com algo como Eu bato cinco punhetas por dia. Ah, a vida boa. A vida de filho da puta. E agora eu precisava de um processo de criação literária. E agora eu precisava cheirar cocaína. Desci as escadas e fui viver.

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