terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A grande mãe. Capítulo IV: Ação.

Me permiti observar a tela verde do celular por uns segundos. Me permiti sentir medo. E, Deus, como eu me permiti sentir medo. Acredito que todo o medo que mantive resguardado desde os seis anos de idade vieram à tona nesses segundos. Meus lábios, minhas mãos, meus pés, meus ombros. Todos tremiam incessantemente, irritantemente, desesperadamente. Com a mão, procurei por algo no bolso esquerdo do meu paletó. Encontrei. Respirei aliviado. Saber que ainda estava lá era o que eu precisava para me colocar no lugar. Enfim, com as mãos frias como um cadáver, atendi.
- Alô. – saudou a voz cansada do outro lado da linha.
- Diga. – respondi, sem o mínimo esforço para ser sutil.
- Bohr?! É você?!
- Sim, Pai.
- Posso saber o que diabos você está fazendo com o telefone do meu filho?
- Seu filho está morto, Pai.
- Morto?!
- Sim. Ele tá aqui do lado, completamente furado. Morto. Simples assim.
- Então, aconteceu. Finalmente aconteceu.
- Você sabia, não sabia?
- Sim. Ele já estava morto pra mim há muito tempo.
- Entendo. – concordei, tentando disfarçar a esperança que invadiu minha mente.
- Você sabe, não sabe?
- Sim, tanto é que fiz o que fiz.
- Eu não me refiro ao meu filho. Me refiro a você.
- Como assim?
- Eu vou caçá-lo, Bohr. Caçá-lo impiedosamente. Como cão e gato. Como vício e viciado.
- Eu pensei que estava fazendo um favor ao senhor, Pai.
- Você me fará um favor quando estiver morto, Bohr. Eu só respirarei novamente quando sentir o cheiro do seu sangue misturado ao cheiro da pólvora. Meu coração só voltará a bater quando o seu se silenciar.
Me calei.
- Me entenda, Bohr. Eu não desejo o mal a você. Acontece que você matou meu filho. Sangue do meu sangue. Minha prole. Meu nome. Meu legado. Minha história. E no momento em que você o fez, arrancou tudo isso de mim. Meus setenta e quatro anos jazem aí, ao seu lado.
- Mas, Pai...
- Meu filho.
- Sim?
- Eu não sou seu pai.

O telefone parou de falar. Eu parei de falar. O silêncio reinou absoluto. Mantive-me lá. Sentado. Largado. Morto. Não faço ideia de quanto tempo de passou desde que desliguei o telefone e só começo a despertar do meu transe agora, que vejo, lá no fundo, Sergey correndo desesperado até mim. Tento imaginar o que será dessa vez. Permaneço sentado, já esperando más notícias.
- Bohr! Bohr! Bohr! Por Deus! Estamos fodidos. – esperneou, mal se aguentando em pé.
- Calma. Seu viado. Recupera esse seu fôlego de viadinho. E me diz, viadamente, o que foi.
- Estamos fodidos. Lá fora. Fodeu tudo.
- Viado.
- O quê?
- Nada, eu só acho divertido te chamar de viado. – meu senso de humor é imortal.
- Foda-se. Parou um carro preto lá fora. Se parece muito com o do Boris.
- E você viu se o Solonik estava junto.
- Só o Boris.
- Ótimo. O Solonik seria um problema, o Boris, não. Respira fundo, enxuga o suor e vai lá abrir pra ele.
Sergey virou-se de costas e fui cumprir suas ordens.
- Sergey!
Parou no meio do caminho, sua ansiedade era facilmente perceptível.
- É melhor você ficar lá fora.

Eu realmente não sei por que implico tanto com o Sergey. Ele é obediente como um coelho assustado. Agora, penasndo bem, vai ver é por isso. Caminho até uma mesa velha e permanentemente manchada de vermelho. Rapidamente, separo um martelo, um machado, corda, álcool e um vidro com sangue envelhecido e tripas. Vou até a porta receber minha ilustre visita. Boris é um cara lamentavelmente comum. Nem alto, nem baixo. Nem gordo, nem magro. Peso morto. É um caso parecido com o de Sergey. Só está na família por ser irmão de Solonik.
- Bohr?! O que você faz aqui, meu camarada? – o cara é simpático, coitado.
- Eu que pergunto.
- Meu irmão Solo tá no meio de uma faxina e tá precisando de uns instrumentos. Você não acredita. O Vladimir sabe? O dono da padaria do Vlad. Então, tá lá, pendurado de cabeça pra baixo, há umas três horas, com a rôla de fora. O sangue subiu todo pra cabeça, que já tá mais roxa que a cabeça do pau do cara. O Solo tá esperando subir tudo pra ver se jorra sangue pela testa. Eu apostei que não dá. Ele apostou que sim. Quem ganhar leva o mindinho.
- Legal sua história. Mas isso significa que você ainda não sabe, não é? – deixei de papo furado.
- Não sei? Sei?

Com uma força inigualável, lancei minha testa ao nariz de Boris. Ele caiu rápido, implacável. No chão, seus olhos esboçaram uma reação. Pisei em sua cara. Seus olhos permaneciam abertos. Pisei novamente. Apagou. Levantei-o sem maiores problemas. Joguei seu corpo mole e fraco na mesa. Amarrei os pés, a cabeça e os braços. Dali pra frente, ele era minha posse. Fui afiar o machado, enquanto ele continuava desmaiado. Uns bons minutos se passaram e escutei uns gemidos, que aumentaram rapidamente. Era uma sinfonia de dor. Música de verdade.
- MEU DEUS DO CÉU! O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO, BOHR?!?! QUE PORRA É ESSA?
- Que porra é essa? Bem, vou tentar sem breve. O Tristan, tá vendo ele ali? Então, ele é um puta dum viado. Aí eu gastei um pente inteiro nele. E aí você chegou. E agora você tá aqui. E é isso.
- DESGRAÇADO, FILHO DE UMA VAGABUNDA! ESPERA O SOLO DESCOBRIR. EU VOU ALMOÇAR A PORRA DO SEU CORAÇÃO. EU VOU BEBER O CARALHO DO SEU SANGUE!
- Meu amigo, preste atenção. Não me culpe por tudo o que vai acontecer com você nos próximos minutos. Culpe o destino. O acaso. Você só estava no lugar errado, na hora errada.
- AAARRRRRRRG, SEU...
Levantei o martelo o mais alto possível e com toda a força que coube nos meus braços, levei-o em direção aos dentes de Boris. Que os jogos comecem.

0 comentários: