segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Antenas e papéis higiênicos.

Enxugo o suor que escorre na testa e olho para o relógio. Vinte e uma horas e vinte minutos, precisamente. Mais quarenta e eu estou fora daqui. Sinto uma vontade imensa de ficar deprimido. Olho ao meu redor e arranjo um motivo. A luz é artificial, a parede é cinza e é tudo frio. À minha frente, carros passam. Um a um, num ritmo interminável. No fim do meu expediente são alguns milhares de novos carros que inundam as ruas, mesmo que elas não os suportem mais. E o meu supervisor ainda vem com papo de consciência ambiental. O caralho.
Olho para o relógio mais uma vez. Um minuto se passou. Agora só faltam trinta e nove. Mais perto do fim. Mais um carro. Com a mão direita, pego uma antena e a encaixo no teto do carro. Com a esquerda giro a antena no sentido anti-horário e termino o trabalho dando uma última fixada com as duas mãos. E é basicamente isso que eu faço o dia inteiro. Fico aqui. Punhetando antena. Bronhando teto de carro. São vinte e dois anos dessa merda. O que supostamente me faria o mestre da punheta. Mas, levando em consideração que uma punheta é a maior demonstração de amor próprio, acho que estou longe disso.
- E o verdão, hein? - perguntou Carlos, meu parceiro de antena a quinze anos.
- É foda. - retruquei seco.
- Não ganha porra nenhuma.
- E o seu time tá com tudo, né?
- Ronaldão, caralho!
- Ronaldão é o meu ovo.

E essas foram as únicas palavras que trocamos naquele dia. Depois de tanto tempo punhetando um ao lado do outro, não são necessárias muitas palavras. O silêncio fala muito mais. Olhei para o relógio mais uma vez e agora faltavam uns vinte e três minutos. Decidi ignorar o relógio e só esperar pela sirene. Isso sempre fazia o tempo ir mais rápido, mas eu não sabia como. Na verdade, eu não sei de quase nada. Faço poucas coisas e não as faço muito bem. Passou mais um carro e eu punhetei mais uma antena. As coisas seguiam devagar. Era sexta-feira e a semana tinha sido uma merda. Até que eu ouço um grito.
- Que PORRA é ESSA?! Quem foi o FILHO DA PUTA que fez esse CU?!

Pela voz fina eu sabia quem era. Jesus, o supervisor. Um homem baixinho do tipo invocado. Seus cabelos são finos e ralos, penteados com muito cuidado. Os óculos tem grossas armações negras, da mesma cor da sua gravata e sapatos, que parecem nunca sair daqueles pés número trinta e sete. Ironicamente, o cara era um grande filho da puta. E repetia.
- ESSA ANTENA! QUE PORRA É ESSA AQUI? CADÊ? CADÊ MEU PAU!? EU QUERO O MEU PAU! - esperneava enquanto apertava as bolas com toda a força que tinha.
Fui até lá. Com certeza tinha sido eu. O Carlos nunca errava.
- Que foi, Jesus?
- ME EXPLICA QUE MERDA É ESSA QUE VOCÊ FEZ.
- Uma antena.
- UMA ANTENA?
- É. Uma antena. Tá encaixada.
- OLHA MELHOR! OLHA MELHOR! MEU PAU?! CADÊ MEU PAU?!
- Jesus, pelo amor de Deus. Me diz qual o problema.
Ele deu uma respirada profunda e prosseguiu.
- Não é a antena certa, José. Essa é do outro modelo.
- É a certa sim, seu Jesus. A do outro modelo tem um detalhe em prata.
- E?
- E você tá vendo algum detalhe em prata aqui?
- É... Hum... Isso aqui... Não...
- Eu vou voltar pro meu lugar, seu Jesus.
- Não, José! Espera aí um pouco. Preciso falar com você.
- Diz.
- Você anda meio desmotivado. Eu imagino que depois de dez...
- Vinte e dois anos. - interrompi, corrigindo-o.
- Vinte e dois, que seja. Depois de vinte e dois anos punhetando antena, ganhando em um mês o que eu ganho em uma semana e não sendo valorizado por isso você pode acabar ficando meio cansado. Eu até imagino e, inclusive, tento compreender. Mas eu preciso de mais animação. São carros que você faz! CARROS PRECISAM DE ALEGRIA.
- Tudo bem. - respondi e dei o sorriso mais falso da minha vida.
- Então tá joia. Não se esqueça. ALEGRIA!
Dei as costas pra ele.
- E O VERDÃO, HEIN?! - berrou ele enquanto eu me distanciava e ignorava sua presença.

Parei ao lado de Carlos. Ele me olhou com aquele olhar. Eu retribui com aquele outro olhar. A sirene tocou. Alívio. Guardei as antenas Corri até o armário, tirei as botas, as luvas, os óculos, o capacete e despejei tudo lá dentro. Em questão de segundos eu tava fora do galpão. Em questão de minutos eu tava fora da fábrica. O céu estava preto e sem estrelas. Quando cheguei estava azul e cheio de nuvens. Lá dentro isso não faz diferença. Aqui fora sim. O problema é saber qual dessas é a minha realidade.
O ônibus esperava no mesmo lugar de sempre. Entrei primeiro e fui pro fundo. Abri um jornal de esportes. Cacete, o verdão tava mesmo uma merda. A única alegria da minha vida não me dá alegria tem tempo. Logo mais, logo menos, o ônibus vai estar infestado do que sobrou de dezenas de homens. Tem os que punhetam antenas, como eu. Tem os que pintam. Os que apertam. Os que entortam. Os que retorcem. Os que moldam. Os que soldam. E assim por diante. Dezenas de corpos e mentes vazios. Imprestáveis, com habilidades inúteis. Péssimos maridos e ótimos filhos. Fecho os olhos e desperto com Carlos me chamando. Nos saudamos e eu desço no ponto mais perto de casa.
Ando uns oitocentos metros, viro algumas esquinas, subo algumas ruas e estou de frente com o meu portão. Branco, simpático e pequeno, serve de fachada para um lar infeliz. Abro a porta, tiro os sapatos e vou pra cozinha. Abro a geladeira. Um arroz de semana passada, um pouco de feijão enlatado, umas cenouras cruas e um resto de coxão mole de anteontem. Desisto. Abro uma lata de cerveja preta e a viro em dois goles. Depois disso, tiro a roupa e vou pra cama.
Minha mulher aparenta estar dormindo há horas. Virada de costas pra mim, toda coberta, seu rabo continua atraente, mesmo trinta quilos mais gordo. Sinto uma movimentação estranha na minha samba canção. Ignoro seus cabelos terrivelmente presos, sua camisola dos anos trinta e sua lingerie bege com manchas de alvejante. Deito do seu lado. Começo a passar as mãos por aquele rabo gostoso e, furtivamente, escorrego a mão direita para dentro da sua calçinha.
- Tira a porra da sua mão daí, José.
- Mas, Maria...
- Mas a puta que te pariu, José. Vai dormir. Tô cansada.
- Mas sou eu quem trabalhou o dia inteiro.
Sem resposta.
- Maria?
- O QUÊ, SEU MERDA? O QUÊ?
- Que que eu faço, então?
- Vai bater uma punheta.

2 comentários:

Camila disse...

Coitado do punheteiro José!
E oi? 'sua camisola dos anos trinta e sua lingerie bege com manchas de alvejante' que medo!
Hahahahahaha

Calcinha ou cueca bege é um horror, com manchas ainda? Caraca!

Fico surpresa com sua criatividade, gosto muito! Parabens novamente!

Um beijO


Ps. Obrigada pelas boas energias lá em meu blog, espero mesmo que dê tudo certo! Estou de mudança, outro estado semi-desconhecido e pessoas totalmente desconhecidas, mas vamos que vamos! Adoro novos desafios, isso me motiva!
Outro beijO

Anônimo disse...

Calma, passei por aqui, mas ainda não terminei de ler. O trabalho ta consumindo meu tempo de leitora. Depois te digo o que achei =)

BEijo
Tassi