sexta-feira, 22 de junho de 2012

Cuspe.


Sentei no banco da praça e vi a vida passar. Cansado e esbaforido. Dor de amor, dor de corno, dor de cotovelo. Sentei no banco da praça e vi a porra da vida passar. Devagar e aos tropeços.  Dor de cabeça, dor de estômago, dor no cu. Sentei no banco da praça e simplesmente fiquei ali.
Pensei em me levantar. Tentei. Mas aquilo não era possível.
E dali eu vi a criança que chorava pela mãe. E eu estava pouco me fodendo. E eu vi o casal que já não se ama mais e não aceita o fim. E eu estava pouco me fodendo. E eu vi o velho de bengala que já desistiu de viver. E eu estava pouco me fodendo. E eu vi o sonho americano desaparecendo no cachimbo do mendigo. E eu estava pouco me fodendo.
Pensei em me levantar. Tentei. Mas aquilo não era possível.
O jornal continuava cuspindo qualquer merda na televisão. As mulheres continuavam me ignorando e pisando sobre mim com seus saltos agulha. O meu emprego continuava a mesma merda de sempre. E cada vez mais eu era um cargo, um crachá. Eu era a pobreza das minhas ideias, a reunião cancelada às cinco da tarde, o e-mail que não chegou porque a minha caixa de entrada estava cheia. Alguns papéis amassados na lata de lixo e uma autosabotagem fodida.
Pensei em me levantar. Tentei. Mas aquilo não era possível.
O calor do sol derretia o meu sorvete de morango que escorria insolentemente sem querer pela minha camisa xadrez. O mesmo calor do sol que queimava a testa achatada do nordestino, que ardia a costela demarcada do gado, que esfumaçava a visão do catador de lixo mais preto que a própria madrugada e que esperava pelo último suspiro da criança africana.
Pensei em me levantar. Tentei. Mas aquilo não era possível.
Porque todos ao meu redor ganhavam menos do que eu. E eu era muito mais homem que o pai de família com cinco filho pra alimentar com trezentos reais. Minha conta bancária falava mais alto que os meus atos. Os meus sonhos brincando de sadomasoquismo com o meu dinheiro, calados por uma bola de metal na boca, subjugados com um pau de borracha enfiado no rabo.
Pensei em me levantar. Tentei. Mas aquilo não era possível.
Eram vinte e três anos. Mais de duas décadas. Vinte e três aninhos de narizinho empinado, braçinho moldado na academia e roupinha da moda. Último botão da camisa aberto, combinando com o óculos RayBan. Tomando banho de sol na piscina do Hyatt enquanto olho pras bocetinhas cheirosas, só esperando o número mudar de sete pro oito para que elas possam receber meu bom e belo caralho sem que eu corra o risco de ser currado na prisão. Vinte e três aninhos e vinte e três centímetros de pica. Mentira.
Pensei em me levantar. Tentei. Mas aquilo não era possível.
Todo o meu talento desperdiçado com pouca bosta, com porca miséria em uma sala grande com um monte de mesa e uma parede decorada. Criatividade e alegria. O colégio caro e os beijos de amor e afeto dos meus pais escorrendo pelo ralo, misturado a todo o vômito e bile que o meu corpo é capaz de produzir. Resto da noite de ontem, quando eu tentei comer a loirinha, a ruivinha, a moreninha, a japonesinha e a mulatinha. Tudo para acabar em casa me acabando em punheta.
Pensei em me levantar. Tentei. Mas aquilo não era possível.
E todas as vezes que eu não consegui gozar por estar bêbado demais, deprimido demais, viadinho demais. Todas as vezes que eu vi meu saco inchar e se desesperar aos poucos e todas as vezes que eu ignorei o seu clamor pelo alívio fácil, pela mão que sobe e desce, pela boceta que esquenta e desliza. De quando minha rôla perdeu a voz depois de passar uma semana na sarjeta por causa de uma única boceta.
Pensei em me levantar. Tentei. Mas aquilo não era possível.
Terminei meu sorvete de morango, passei cuspe na camisa. A criança foi procurar sua mãe sabe-se lá Deus onde. O casal que não se ama mais foi procurar o amor. O velho de bengala não morreu. O cachimbo do mendigo se apagou. E eu estava pouco me fodendo.
Pensei em me levantar. E aquilo já era possível.
Meu pau estava mole novamente.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Primeiro assalto.

O inverno havia recém chegado à cidade. A noite lá fora era fria, densa, pesada. A neblina ofuscava a visão dos motoristas da madrugada e fazia doer as juntas daqueles que dormem em becos e vielas e sofrem por isso. E até mesmo as dos que não sofrem. Lei da selva. Da porta pra fora, a vida avançava calma e temerosa para os corajosos ou os loucos o suficiente de encarar os poucos graus e toda a praga que eles trazem consigo.
Era algo após a meia-noite. Eu voltava do trabalho de cabeça quente e com as mãos pesadas e cansadas de tanto escrever. Parei em um supermercado pra comprar algumas cervejas. Amor enlatado. Um homem com bolsas embaixo dos olhos e andar exausto procurava alguma coisa nas prateleiras. Ele vestia meias e chinelos. E provavelmente sua mulher, grávida, ansiava por ele e pela realização dos seus pedidos. Apesar de tudo, era uma cena bonita. Eu sorri ao imaginar isso e pensei se a felicidade, de fato, era dona de um rosto. Não encontrei respostas, mas encontrei minha cerveja. O homem também encontrou o que procurava. Papel toalha, papinha de neném e uma garrafa de vinho.
Eu, como de costume, tinha coisas demais na minha cabeça. Preocupações e futilidades e planos e sonhos. E todo o resto que vinte e um anos fossem capazes de acumular. Eu fazia vinte e dois alguns dias a partir dali, mas todos me olhassem como se eu tivesse vinte e nove ou algo do tipo. E eu sempre tinha alguma resposta engraçada e mal educada na ponta da língua para esses momentos. E era assim que eu fazia amigos.
Paguei minhas cervejas e alguma coisa que, dizia a caixa, ser lasanha congelada. Crédito. Subi no carro, virei a chave. O calor do motor invadiu o carro e eu fiquei uns segundos aquecendo minhas mãos tão jovens e que já testemunharam tanta coisa e já escreveram sobre tanto sofrimento. E eu me lembrei de uma menina que dizia que eu merecia um soco por cada texto produzido por elas. Por cada palavra infeliz, para cada lamentação. Um soco. E eu pensei que essa era uma prova de carinho incrível. E, para ser sincero, aquela não era a primeira vez que eu pensava nessa menina. Mas eu buscava ignorar esse fato. O nome disso é “autopreservação”, uma palavra que eu nunca fui muito familiarizado. Sempre gostei mais da palavra “coração”. Antônimas, como fica claro.
Engatei a primeira marcha e segui pelo trânsito de volta pra casa. E enquanto eu dirigia buscava alguma distração, algo bonito para se ver, alguma inspiração. Mas a madrugada, nessa cidade, nunca foi lá muito abençoada. Os sinais estavam sempre vermelhos e eu sempre parecia não ligar muito para isso. Teve aquela vez que eu fiz isso e quase morri. Mas também teve aquela vez que eu fiz isso e saí vivo e com uma nova história pra contar. Então, até então, fazer isso valia a pena.
Cheguei, estacionei o carro e a distância da vaga me faria caminhar até em casa. Meus músculos reclamavam a cada passo. O frio os enrijecia e os esticava num ritmo constante. Num ritmo cruel até para o mais resistente dos músculos. Eu engolia a dor e não demonstrava nenhuma expressão. Morto de cansaço e de fome por dentro. E a carcaça do lado de fora a mesma coisa de sempre. Vinte e nove anos, vocês se lembram?
Mas finalmente eu estava em casa. Aliviado, cansado, esfomeado. Abri o microondas, fechei o microondas. Catorze minutos. Liguei-o e ali começava a tortura. A espera, a famigerada espera. E nesse meio tempo mais uma vez pensava na menina do soco. Ela fazia aniversário dentro de uns dias e eu já havia decidido qual seria o presente dela há algum tempo. E embora o presente me parecesse uma boa ideia, ele ainda soava incompleto para mim. Como se ela merecesse mais, como se ela merecesse uma dedicação maior. E, pensando agora, definitivamente ela merecia.
Foi quando eu comecei a escrever. Aquele era o primeiro assalto. As pessoas ao meu redor diziam que eu era dotado de uma certa habilidade para escrever, mas não era por isso que eu escrevia naquele momento. Eu escrevia simplesmente para provar pra ela que eu era capaz, sim, de escrever algo digno não de um soco, mas sim de um abraço ou qualquer outra manifestação pura e verdadeira de carinho. Eu escrevia simplesmente pra ver brotar um sorriso em seu rosto. Tudo o que eu precisava eram lembranças bonitas.
Os catorze minutos se passaram. Os próximos catorze também. E os próximos e os próximos. E minhas mãos tão cansadas, tão machucadas, tão desobedientes tinham vida própria. Elas batiam nas teclas com uma agressividade suave. Aquilo eram as minhas mais belas lembranças acumuladas no último mês se manifestando. Pedindo pra sair. Pedindo para serem a causa do sorriso de uma outra pessoa, além do meu. E eu atendia aqueles pedidos com uma consideração quase paterna. Eu simplesmente sentava ali e deixava que elas fizessem seu trabalho. E elas, minhas mãos, eram felizes assim. E eu acredito que eu também.
O processo se repetiu por uma semana inteira. Algumas noites de pouco sono e algumas manhãs de um curioso e agradável despertar. De certa forma, aquilo me fazia bem, como nos velhos tempos. Ao fim daquilo tudo, eu tinha um punhado de páginas, um punhado de inseguranças e um punhado de boas intenções. E o calendário insistia em atrasar a chegada do dia vinte e nove. E tudo o que eu queria era vê-la e fazê-la feliz. Mesmo com aquele soco que eu nunca levei.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Sobre desperdiçar a vida.

Eu já havia passado o dia inteiro bebendo. Sozinho em casa e bebendo. Era feriado, provavelmente coisa de algum santo ou algo do tipo. E enquanto todo mundo tinha alguma coisa útil para fazer ou alguém para abraçar e beijar e amar a única coisa que eu tinha era um pouco de cerveja na geladeira e um monte de tempo livre e falta de juízo na minha cabeça de vinte e dois anos. Na noite anterior, haviam comentado que eu era um bebê. E eu, sinceramente, achei isso uma grande merda. Ó, olhem só para ele, tão jovenzinho, tão tadinhozinho... Olha só como ele é gordinho e fofo e grande e pequeninho ao mesmo tempo. Eu simplesmente estava cansado dessa porra desse olhar de piedade e dó das pessoas diante de mim. Vocês não imaginam o quão fodido eu sou, então nem comecem. NEM COMECEM.
Mas, enfim, eu já havia bebido o dia inteiro. E como todas as coisas boas da vida, uma hora a bebida chegou ao fim. E eu não sabia mais o que fazer. Era como se a minha vida tivesse perdido o sentido no momento em que a última gota desceu pela minha garganta. Mas isso só hoje. Eu não tenho um problema, acreditem. É a questão da ocasião. A OCASIÃO É O QUE ME CONSOME. O VAZIO E TUDO MAIS. Mas fodam-se vocês e foda-se a minha sanidade e foda-se o que eu acredito ser um problema ou uma virtude. Foda-se essa porra toda e vamos voltar ao que interessa.
Os escritores de verdade diriam que eu sôo repetitivo. É sempre a mesma lamúria, a mesma choradeira, a mesma frescura, a mesma bebida. Eu espero que vocês morram. Eu nunca disse que escrevo para me sentir bem. Eu nunca disse que escrevo me preocupando com vocês. Na verdade, eu escrevo pra mim e para eu não perder o pouco controle que ainda tenho sobre minhas atitudes. E quando isso não funcionar mais eu pararei de escrever e vocês precisarão criticar algum outro jovem babaca que acha que tem algum talento. Demolidores de sonhos, vocês não são nada. E olha só essa história perdendo o formato de novo e virando uma porra de um querido diário. Podem criticar isso à vontade. Isso aqui não se trata de Vito Beaumont, se trata de Victor Carvalho.
Eu só sei que depois que a bebida acabou e a TV parou de passar algo interessante (como se em algum momento ela tivesse sido interessante de fato) eu saí de casa em busca de um pouco mais de bebida e quem sabe de um novo amor. Apesar de que o segundo item fazia parte do meu dia a dia. Eu sempre estava em busca de um novo amor ou algo do tipo. Obviamente, isso nunca funcionou. Mas dizem que é preciso desistir do amor para encontrar um novo amor. Até então, eu não havia desistido. E talvez assim eu fique melhor, alimentando falsas esperanças e sem nada concreto. Vocês sabem, eu não mereço ninguém nesse exato momento. E sabe-se lá DEUS se vou merecer algum dia.
Eu só sei que fui até o supermercado e comprei um pouco mais de cerveja e alguns pães. Casais se beijavam na fila do caixa e eu achava aquilo tudo simplesmente nojento. É engraçado como todo mundo se ama nos fins de semana e nos feriados. Rolinhos e enrolações e grandes amores e tudo mais. Mas eu consegui um pouco mais de cerveja e alguns pães. Poucos minutos depois, a cerveja já havia acabado e os pães estavam intactos. Serei sincero, nem faço ideia do porquê de eu ter comprado aquelas merdas. Eu nem gosto tanto assim de pão. Mas isso não é da conta de vocês e na verdade isso nunca deveria ir para o papel. Tenho vergonha da minha ausência de talento literária. Muita vergonha. Bukowski, Fante, lamento mas eu decepcionei vocês. Mas, pensando bem, pelo menos eu ganho um pouco de dinheiro com essa merda aos vinte e dois anos. Superem isso, babacas.
E eu estava de novo sem cerveja e sem vontade de parar de beber. Já era nove da noite ou algo assim e, sinceramente, eu não sei como havia suportado até aqui. Só sei que se funcionou até então, agora não é a hora de parar. Eu estava sentado em um banquinho qualquer na cozinha. A máquina de lavar berrava na área de serviço. Uma caneca cheia de cerveja, a última cerveja, nas minhas mãos. O olhar pra baixo, desesperançoso, fixo para o nada. E a máquina se esgoelando em um uníssono de limpeza e brancura. Dallas Green se dilacerava em canções mais bonitas do que o coração humano podia suportar e eu cantava aquilo tudo em plenos pulmões. E me achava o máximo. Ó, como eu me achava o máximo. Minha voz era música para os meus próprios ouvidos e aquilo era bom e lindo e me fazia mais forte. Era como se ele cantasse aquilo tudo pra mim e eu pegava aquela beleza toda e recriava e reinventava.

What have the demons done?
What have the demons done?

Ele se questionava e eu me esforçava para buscar uma resposta, mas nunca as encontrei nem nunca as encontrarei. É tudo uma parada retórica. Perguntas que a gente se faz sabendo que não há uma resposta ou solução. Que saudades do meu cachorro, do brilho nos meus olhos. Que saudade. A minha vizinha da frente está com um cara na área de serviço. Ele parece legal, parece que vai cuidar bem dela. Ela merece um cara legal. Eu nem sei o nome dela, mas ela merece. Afinal, eu não estou afim de ouvir gritarias e presenciar um ASSASSINATO nos próximos meses. Então é bom que esse cara seja legal nesse mundo onde todo mundo é doente e todo mundo só está em busca de foder os outros pelo cu. Depois da super valorização do pênis e da vagina, estamos vivendo a super valorização do cu. Todo mundo tenta foder o outro da forma mais dolorosa possível. E sem dúvidas algumas pessoas conseguiram isso comigo. Tanto é que ainda fico nessas de beber o dia todo e depois escrever sobre as merdas do dia. Já é quase um ano com a mesma ladainha, a mesma historinha. Mimimimi e o caralho a quatro.
A cerveja havia se esgotado, a minha vontade de me manter firme também. Eu não tinha mais onde recorrer, embora eu ainda precisasse daquilo tudo. Ainda era nove e pouco da noite e eu ainda tinha umas boas horas pela frente. E sem aquilo não daria para seguir em frente tranquilo, com um sorriso no rosto. Não daria. Simplesmente não daria. Botei um casaco, uma calça decente e subi a rua. Vocês veem, graças a Deus Nosso Senhor eu moro perto de uma porrada de bares. É como se todo mundo tivesse os mesmos problemas que eu, as mesmas dores. Ou simplesmente é como se todo mundo gostasse de beber um pouco.
Fui subindo a rua, confiante como Michelangelo ou como qualquer outro cara que SABE o que está fazendo. Eu pisava com firmeza, com orgulho, com honra. Como um nobre cavalheiro no caminho de encontrar sua donzela e salvá-la de uma torre escura e triste que já a aprisiona há tanto tempo. E várias donzelas desse tipo já passaram pelas minhas mãos. Mas nenhuma quis ser resgatada, nenhuma quis ser salva, nenhuma quis a felicidade. Azar o delas, azar o meu. Quem sofre sou eu. Eu aqui, pronto para dar o MUNDO para quem quer que aceite. Pronto e QUERENDO isso. E elas ainda se satisfazem com a falsa sensação de alegria que outro babaca qualquer é capaz de transmitir a elas. E eu fico aqui, escrevendo essas coisinhas. Quem está melhor, eu te pergunto? É, eu sei. Eu sei bem.
Mas finalmente eu havia chegado lá. Bares e mais bares, um ao lado do outro. Pessoas e mais pessoas, grandes grupos de lindas pessoas amontoadas em mesas. Todos são só sorrisos, todos se abraçam e contam grandes histórias emocionantes e muito divertidas, aparentemente. É como se a vida de todos fizesse muito mais sentido que a porra da minha vida. O cenário era deprimente, se vocês querem saber. Aquele monte de gente, aquele monte de gente bonita. E eu. Eu. Sozinho e envergonhado com o ponto onde as coisas chegaram, simplesmente em busca de um pouco mais de bebida para ir até o fim do dia com tranquilidade e com a consciência limpa de que as coisas melhorariam depois de um tempo. As pessoas me olhavam com um certo peso no olhar. Peso e pêsame. Era aquele mesmo olhar de dó misturado com um ar de desdém. Todos ali eram melhores que eu em alguma coisa e isso definitivamente não me ajudava muito. Entrei na primeira porta que vi aberta logo que virei a esquina. Meu paraíso, meu objetivo primário, minha carga preciosa, minha Brigitte Bardot.
Caminhei devagar até o balcão. Apreciando cada momento daquilo tudo. Os olhares, a geladeira cheia, aquele garçom que salvaria o resto da minha noite, o velho do caixa que contava os minguados Reais. Alívio, um verdadeiro alívio. Parei de frente com o garçom atrás do balcão. Um cara de meia idade, uma tentativa de bigode acima dos lábios, os olhos um pouco confusos, o cabelo começando a cair. Esforçava-se secretamente para parecer jovem, talvez querendo esconder a tristeza de ser um senhor e ainda ser um garçom de bar de esquina. Enfim, parei diante dele.
- Amigo, ô amigo.
Ele me olhou em um profundo silêncio. Limpava um copo com certo cuidado.
- Me vê uma cerveja, por favor. Uma não, duas cervejas. Me vê umas cervejas aí.
Ele me olhou bem profundamente com aqueles mesmos olhos de antes.
- Olha, amigo, eu acho melhor não. – foi o que ele disse.
- Como assim “melhor não”?
- Eu acho que você já bebeu o bastante.
- Eu digo quando eu bebi o bastante. – foi o que eu disse.
- Não. Sério. Você já bebeu o bastante. Eu sei como é a sensação e eu sei que agora é a hora de parar.
- Olha, homem, só eu sei como é a sensação. Só eu sei como é ser tão fodido ao ponto de não conseguir seguir adiante de cara limpa. Só eu, e mais ninguém.
- O mundo tem mais de sete BILHÕES de pessoas. Você realmente acha que você é o único?
Eu não soube o que responder.
- Não, você não é o único. Você é só um moleque com dózinha de si mesmo.
Eu não soube o que responder.
- Por isso que eu não vou te servir outra cerveja.
Eu, de novo, não soube o que responder.
- Sem contar que você está de pijama.

Eu olhei para baixo e percebi que ele tinha razão. Eu ainda estava de pijama. Era como um pesadelo. Um pesadelo dentro de outro pesadelo que eu chamo de VIDA. Um chinelo havia escapado do meu pé. O calcei novamente e voltei meus passos para casa, mais envergonhado do que nunca. Eu sabia que todos me olhavam enquanto eu voltava fracassado. Eu tinha plena certeza disso. Aquele monte de gente bonita, de gente divertida, de gente interessante, me olhando e comentando entre si e entre risadas e entre sorrisos brancos sobre o quão infeliz e imbecil eu era. Mas ainda assim, segui quieto, sem olhar para trás. De pijamas. Cheguei em casa, abri a geladeira novamente só para constatar de que a cerveja havia, de fato, acabado. Deitei e dormi. Para o bem ou para o mal, a vida seguia em frente.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Essa noite eu me olhei no espelho.

Eu não sei por que eu o fiz, mas eu o fiz. Eu fui até meu banheiro, coloquei-me em frente ao meu espelho e olhei pro meu deformado rosto. E tudo continuava da mesma forma. Nada lá era passível de ser apreciado ou até mesmo elevado a algum certo grau de importância. Nada naquela massa bagunçada era algo digno de ser comentado pelo sexo feminino ou por qualquer outra pessoa, ao menos não sob a luz intensa do sol e dessa porra toda descoberta e criada por Darwin. Absolutamente nada. Eu passava a mão sobre meu rosto, incrédulo. Sem entender. Perguntava-me: Por quê? Por quê? Não existe castigo maior do que ter nascido na minha pele, com a minha cabeça, com a minha memória. E talvez vocês citem a fome na África e o holocausto e todo o diabo de ruim que acontece diariamente no nosso planeta faminto e racista, mas eu continuo firme na minha posição. É uma merda ser o que eu sou. É uma merda ter que acordar todos os dias sendo o que sou. É uma merda respirar o ar que eu respiro, mesmo sabendo que eu não sou digno de nada disso. É uma merda, como tudo em mim. A começar pelos meus olhos. É, meus olhos. Eles já não funcionam direito há certo tempo, na verdade, eu nem me lembro mais sobre como é ter uma visão DECENTE e não usar esses óculos. Uma vadia certa vez disse que meus olhos eram tristes e sem graça. E ela não disse isso com um ar de compaixão ou algo do tipo. Era um ar de verdade, do alto da sua mais pura e divina capacidade de ser uma vadia. E eu engoli e digeri cada uma daquelas palavras, levando para mim como a verdade definitiva. Vadias são vadias, mas ainda assim são mais inteligentes que noventa por cento da população mundial. Fazer o mal, foder com corações que um dia foram bons e com algum resquício de alegria exige uma capacidade MONSTRUOSA, literalmente. Minha ex-mulher que o diga. Pensando bem, se eu pudesse eu furaria meus olhos, mas aí essa minha vidinha de bosta se tornaria numa grande mitologia bíblica e eu já sou problemático o bastante pra foder ainda mais com o que resta da minha HUMANIDADE. Mas se fossem só meus olhos o problema, tudo bem. Eu seria um homem e tanto e um homem feliz. American way of life e o cacete a quatro. O bom marido que um dia eu vou ser, porque eu simplesmente VIVO por elas. Passeio no Ibirapuera com piquenique e carinho no rosto. Porque eu simplesmente sou assim, cacete, algum problema? Mas eu também tenho as minhas bochechas eternamente caídas. Um dia elas foram vivas, para cima, como se eu estivesse constantemente sorrindo, aplaudindo o por do sol na areia fofa de uma praia deserta, segurando na mão do meu amorzinho. Mas hoje elas são caídas, apontam pro chão, apontam para o inferno. A vida e fodeção de pensamentos ruins que manda no meu consciente, no meu subconsciente, no meu id, no meu ego e no meu superego jogaram elas para baixo. O que, obviamente, não colaborou com a minha aparência, nem muito menos com a minha autoestima. Eu sabia muito bem que me olhar no espelho me faria mal. Eu sempre soube, eu nunca tive dúvidas disso. Mas ainda assim eu o fiz. Deve fazer parte do meu lado masoquista e outras coisas que aquele cara que atende pela alcunha de Freud explicaria de alguma maneira óbvia com alguma palavra besta, tipo “Batatas”. Mas Freud, no fundo, é um cara e tanto. Terapeutas são um cara e tanto, na verdade. A minha, por exemplo, deve me adorar. É a única explicação para uma pessoa aceitar escutar tamanha carga de merda e autopiedade nas primeiras horas da manhã. Nenhum dinheiro justifica essa merda. Nada. Mas ela deve me achar um cara interessante, ou melhor, um caso interessante. Embora ela ostente uma bela aliança, provavelmente sendo casada com um homem LINDO e INTELIGENTE e INTERESSANTE. Tudo o que eu nunca fui. Tudo o que eu nunca serei. Mas vale a reflexão sobre o quão fodida uma simples pessoa pode te deixar. Comigo, um passo pra frente sempre serão cinco para trás. E o piquenique no Ibirapuera cada vez mais distante. Eu não peço nada demais, vocês veem? Nunca pedi. Só quis ser uma pessoa decente o suficiente para fazer meus pais felizes e conseguir uma boa mulher que consiga ignorar TUDO o que há de FILHO DA PUTA sobre mim e sobre minha aparência e sobre tudo. Embora o fato de ter uma mulher ao meu lado faz tudo isso desaparecer. Minhas bochechas sobem, meus olhos se enchem de alegria. Talvez isso tenha se transformado num vício, como a bebida. E talvez eu não queira me livrar dessa merda desse vício tão cedo, até porque ele me persegue nos meus sonhos. Mas tudo o que eu sempre quis foi chegar aos pés do que meus avós foram e são e serão. Mas já vi que não vai dar. Vinte aninhos e alguma coisinha. Um prodígio, um geniozinho, uma fofura, um cara muito legal que sempre me aconselha e sempre é bem útil quando eu precise que ele seja útil. UM PUTA DE UM BABACA DE MERDA, ISSO SIM. O espelho nunca mente, vocês sabem. O que uma pessoa escreve enquanto caminha pelas trevas nunca mente, vocês sabem. São essas pequenas merdas que definem a gente. Não é carreira, não é coração, não é a capacidade que eu tenho de fazer os outros darem risada da MINHA desgraça. São esses toques, essas palavras e o que há de mais sujo e desprezível na minha mente que definem o que eu sou. Uma vergonha para a pessoa que menos esperava algo de mim: Eu mesmo. Até eu mesmo eu decepcionei. Logo eu, que nunca depositei alguma esperança na minha capacidade ou no meu talento para a felicidade. E eu só consigo escrever triste e talvez eu continue escrevendo meu livro e talvez eu fique famoso com isso e ganhe algum prêmio babaca e alguma estudante de filosofia da usp consiga olhar pra mim e enxergar alguma coisa que, na verdade, sempre esteve aqui. E talvez eu me force a amá-la e vá para os meus piqueniques no Ibirapuera, segurando naquelas mãos mal lavadas dela, acariciando aquele cabelo nojento. Nojo e desgosto em troca de amor. Eu busco algo de inteligente para dizer, mas não sai mais nada. A cerveja acabou e eu continuo no mesmo lugar. Está escuro, bem escuro. A única coisa que me ilumina é essa luz suja de computador. E lá fora, no mundo real, casais se amam e se abraçam em meio a declarações de amor, muitas vezes mentirosas e banais. Como todas aquelas que um dia eu escutei. E eu só tenho as minhas ceroulas, o que talvez seja o maior gesto de carinho que eu já fiz comigo mesmo. Enfim, essa merda já está indo longe demais, como todas as outras merdas da minha vida. Aparentemente, não há horizonte suficiente para todas as merdas da minha vida. E vocês sabem que, se não há horizonte, não há futuro, ou perspectiva, ou tudo de bom que o futuro e a perspectiva possam trazer. Eu saio da frente do espelho, deito a cabeça no travesseiro e tento dormir, sabendo com absoluta clareza, que o estrago já foi feito. E muito bem feito.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

E então Jesus abaixou a cabeça e sorriu.

Ele a espiava com o canto do seu pequeno olho. Atrás da escada, sem fazer barulho, prendendo a respiração. Estava completamente pronto. Sabia cada movimento dela, conhecia sua rotina de cor. Ela lá, sentada na melhor poltrona do mundo. De um vermelho que combinava perfeitamente com o carpete vinho. Os desenhos davam voltas em seus elefantes e seus deuses indianos que ela, no fundo, desconhecia completamente e faziam daquele estofado o melhor estofado do mundo. Ao menos aos olhos dela. Frente àqueles olhos que já viram de tudo, aquela era a melhor poltrona do mundo. E era um imenso orgulho passar suas tardes ali. A bíblia nas mãos suavemente manchadas. Manchinhas escuras que gritavam “Dever cumprido”. Ela passava saliva nos dedos e virava a página. Era um ritual. Página após página. Palavra após palavra. Rezando baixinho para si mesma, falando só para quem ela realmente queria que escutasse. A casa em um silêncio profundo que dizia muito mais do que se podia imaginar. Os cabelos vermelhos devidamente pintados na mesma cor das longas unhas. A mesma idade há anos e anos e anos. Sessenta e dois, ou algo assim.
E ele ainda lá, embaixo da escada. Espiando e esperando o momento certo. Ela sabia muito bem que ele estava lá. E, na verdade, ele também sabia que ela sabia. Mas assim tudo ficava mais interessante. E seu mundo ainda era colorido demais e ingênuo demais e imaginário demais para que aquele momento fosse estragado por algo tão chato como a verdade. Oito anos recém completos. O corpo gordinho, o cabelo ruinzinho. Toda aquela inocência era material de sobra para os amiguinhos da segunda série. Mas ele não ligava. Contanto que momentos como aqueles continuassem a se repetir, ele não ligava. A vidinha era bonitinha, afinal. Mas ele permanecia com os olhos bem abertos. Alerta com toda a capacidade que sua pouca idade permitia. A respiração ainda devagar, os pés meio trêmulos de cansaço e as mãos nervosas apertando o canto da parede.
Foi quando o momento chegou. Ele, o sinal. Ali, estampado no bocejo longo e de direito. A bíblia quase que fecha, tamanha a força daquela boca aberta e aquele som gostoso de ouvir. Uooooooon, pela sala mais calada que o mais calado dos lugares no mais remoto dos destinos. Até que ele, num só pulo, caiu bruscamente na frente dela. Os olhos brilhando, a língua nervosa pra falar o que vinha ensaiando há tanto tempo. As mãos meio que sem saber o que fazer, às vezes mexendo no estofado da poltrona, às vezes dando pequenos soquinhos no joelho dela. E ela lá, com aquele sorriso de sempre, meio tímido, meio sem graça, mas mais sincero do que qualquer outro gesto de qualquer outra pessoa.
- Ô Vó... – disse ele.
- Oi, querido... – disse ela.
- Ô Vó, sabe o que é? É que eu to querendo ir lá pra cima.
- Sei. Mas por que você não vai? – ela sabia a resposta, mas adorava aquele joguinho.
- É o homem, Vó. O homem tá lá.
- Mas, Victor, qual é o problema?
- Poxa, Vó, você sabe, né... Ele fica lá, me olhando, com as mãos abertas. Eu não gosto. É estranho.
- Mas, filho, ele não vai te fazer nada. Ele é bom, filho.
- Vó! Ele tem aqueles olhos fundos, Vó! Eu não consigo olhar pra ele, Vó! Tira lá pra mim, por favor, por favor, por favoooooooor.
E ele se debruçava nas suas pernas finas e ainda dispostas mesmos após tanto tempo. E ela dava a risada mais gostosa que aqueles fins de semana de quinze em quinze dias podiam proporcionar.

Calçou devagar aqueles chinelos tão velhos. Não comprava um novo porque simplesmente não precisava. Por que gastar dinheiro com chinelos? Existiam coisas na vida mais importantes do que chinelos, como, por exemplo, resolver aquela situação tão urgente. Subiu as escadas, degrau após degrau. Com calma, sem pressa. Aproveitando aquela situação toda. Olhando para trás com o canto dos olhos para ver a sua cara apreensiva. Aquelas mãozinhas dele no peito, como se sua própria vida dependesse dela. E, ali, ela se sentia mãe mais uma vez. Quarenta longos anos depois, ela era mãe mais uma vez. A melhor sensação do mundo para qualquer avó. Ela chegou ao segundo andar e à fonte de todo aquele pavor. Toda aquela ansiedade. Lá de baixo, ele gritou.
- VÓÓÓÓÓ, POSSO SUBIR? – perguntou, a voz trêmula de preocupação.
- Pode. Sobe, meu filho.

Ela mal respondia e ele passava correndo por aquelas escadas e por aquele terror todo direto para a televisão e aquele mundo de mentirinha dentro do seu próprio mundo de mentirinha, deixando-a livre para seus sorrisos sinceros e seu cheiro inesquecível e seus rituais vespertinos na melhor poltrona do mundo. E, em cima da estante, um quadro de Jesus Cristo coberto por um pano de prato não tão sagrado assim. Ele também sorria.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Que Deus me proteja do inferno que se abaterá sobre minha vida nas próximas horas.

Eu falei alguma coisa assim e comecei a beber. O relógio marcava alguma coisa entre as dez e eu bebia alguma coisa com pouco álcool por algum motivo que não devia significar alguma coisa pra mim. Era uma noite de incertezas e eu me comportava como se ainda tivesse idade para isso. Vinte e um anos. Eu bebia em casa, sozinho, me preparando para beber no mundo real, também sozinho. Até aí nenhuma novidade. Terminei, entornei mais algumas cervejas e de repente eu já me sentia pronto o suficiente para os outros seres humanos. Me sentia merecedor deles, me sentia parte daquela massa toda. E era tão acolhedor e tão quente lá dentro. A sensação era boa e subia pelas minhas mãos, entrando pelas minhas veias e saindo pelos meus olhos em forma de brilho. Tudo isso por causa de seres humanos. Ratos e tudo mais. E eu numa festinha mental de quinze anos, dançando valsa, apaixonado e usando um vestido lindo. E tudo vinha em ondas pra mim. Enfim, ganhei as ruas.
Ser sozinho já não tinha a mesma graça de antes. Não me fazia melhor do que ninguém. Não transmitia aquela ideia de SUPERIORIDADE. Eu não era mais o cara misterioso sentado no canto do bar sozinho, tão sozinho, tão, tão sozinho. Eu era só o cara que talvez mate todo mundo aqui dentro, escrevendo o nome da ex-mulher na parede com sangue, antes de se suicidar. O que talvez fosse a resposta para meus problemas de falta de atenção. E vocês sabem bem que eu me alimento dessa porra. São os olhares que me fazem conseguir enxergar um caminho à frente. Se não for de outras pessoas, o do espelho já basta por algum momento. Um reflexo e um tanto de uma falta absurda de personalidade e uma autoestima estupidamente forçada e mais um monte de coisas que me classificariam como Lixo egoísta ou Porco para as meninas bocetudinhas desse mundo. Claro, como se elas não gostassem de homens assim. Estúpidos buracos. E eu ouço gritos vindo de algum lugar e esse talvez seja meu subconsciente me mandando parar antes que eu comece a falar sobre bocetas e amores novamente. Minha vida por continuar agindo como um porco e toda a imagem que construí pra mim. O que você talvez não perceba e elas não percebam e quem me ama não perceba é que a única coisa que eu faço é substituir coração por boceta. E eu não serei mais direto que isso. São as regras do jogo, minha linda subconsciência.
Mas os gritos não vinham da minha subconsciência, mas sim de algum lugar não longe da onde eu estava, que eu também não fazia a mínima noção da onde era. Caminhei tranquilamente até lá. Se desse tempo, tudo bem. Se não desse tempo eu caminharia normalmente com um pouco de remorso fingido. Tudo para agradar Deus Nosso Senhor. Mas ser herói nos dias de hoje não vale a pena, vocês sabem e quando eu cheguei ela ainda gritava. No chão, do jeito que saiu do ventre divino de sua mãe, aquela santa. Tinha cabelos mais escuros que a noite e dentes mais claros que o dia. Era linda. Linda demais para o herói que teria nessa noite. Não diferente de todas as outras mulheres desse mundo. Nunca fui, nem nunca serei merecor delas. Ou talvez elas que não sejam merecedoras de mim. Enfim. Cheguei mais perto e ela ainda gritava, ainda mais alto dessa vez. Ninguém por perto.
- Linda menina. Anjo de cabelos escuros e dentes brancos. Minha vida, minha existência. - essa foi minha abordagem maravilhosa. Ela olhou pra cima.
- Sim? - os olhos piscavam num clamor desesperado demais até pra mim.
- Cala a boca. Para de gritar e cala a sua boca. Você vai acordar os GATOS e CACHORROS e VIÚVAS.
- BOA, VITO. MANTÉM A CARCAÇA. GRANDE BABACA. - essa foi minha consciência falando.
- Ser sozinha é um inferno, sabe, Meu Homem? - essa foi ela falando.
- E quem garante que o inferno seja muito pior que o paraíso?
- Ninguém. Mas a gente precisa escolher entre um ou outro. Não existe meio-termo para essas coisas.
- Não acredito que suas palavras sejam tão lindas quanto você.
- Não acredito que seja você que a noite me reservou. - senti uma infelicidade por trás disso.
Essa foi minha deixa. Segurei-a pelos ombros, olhei no fundo daqueles olhos tão tão tão pretos. E a ajudei a se levantar. Saí andando sem dizer mais nada. Alguns passos à frente, barulho de saltos apressados. Ah, aquele barulho maldito. E que Deus me proteja do inferno que se abaterá sobre minha vida nas próximas horas. Ela parou do meu lado, olhou para mim e bocejou o maior bocejo do mundo. E eu causo essa reação nas pessoas. Me diz você. Continuei andando. Toc toc toc toc toc toc atrás de mim.

Compramos algumas cervejas no caminho. Um brinde desperdiçado, como todos os outros. Bebemos normalmente. Sem pressão ou impressão. Sem dizer palavra alguma. Sem as estúpidas regras de bons modos da sociedade. Um pouco mais a frente, um lugar que talvez valesse a pena. Um lugar à altura da minha presença e toda a aura de mistério e sabedoria que há por trás disso e todo o meu intelecto e toda minha capacidade de terminar frases com algum palavrão e tudo o que eu nunca fui, mas sempre quis ser. A cerveja era barata e todo o resto caro demais. Ou talvez a única coisa que compensasse na vida fosse a cerveja e os amigos e falsas alegrias que ela nos traz. Dava pra ver o céu dali de dentro. Estrela nenhuma sobre a gente. Um beijo no rosto e ela foi viver a vida dela com alguém que fosse completamente o oposto de mim. Algo mais próximo do homem ideal, ou do ser humano ideal.
Tocava Michael Jackson e Rage Against the Machine e mais algumas coisas que se fazem hoje em dia. E aquele negrão sujo ainda era superior a todo mundo. Eu pensava em milhares de coisas. Em ex-mulheres, antigas histórias, velhas risadas, lágrimas recentes demais, o amor da minha família e a falta de amor que eu tenho por mim mesmo. Mas tudo o que eu penso é lixo desde que eu nasci. Eu não valho a pena de forma alguma. Nem meus pensamentos mais lindos compensam. A música batia, eu me mexia de um jeito muito, mas muito estranho. Algumas pessoas olhavam e eu fingia não ligar, quando na verdade eu ligava até demais.
A bebida seguia seu ritual de não fazer efeito algum por mais que eu bebesse e aquilo cada vez mais se manifestava como um imenso problema para meu convívio comigo mesmo e meu reflexo no espelho. Lixo egoísta, como diziam elas. Elas. Elas. Elas. Muitas delas ao meu redor. E eu sem coragem ou sem vontade alguma de falar alguma coisa. Cheiro de álcool, perfume, suor e boceta. Só mais uma noite normal num mundo que gira errado. Ou numa cidade que corre demais e acaba perdendo sua humanidade junto com seus milhões de almas irreparáveis por palavras ou qualquer outro gesto verdadeiro de carinho. Amor e amores correndo atrasados pro trabalho e o ônibus lotado de ódio demais. E minhas pernas velhas acusavam cansaço e eu precisava de uma cadeira mais uma cerveja barata e um pouco de espaço.
Depois de um tempo, consegui. Encostei a cabeça pra trás e olhava pro céu. Ainda sem estrelas, nenhum sinal de vida lá em cima e, pensando bem, nem aqui embaixo. Um babaca esbarrou na minha cerveja e uma boa parte dela ficou pelo chão. Ele deu um sorriso sem graça, pediu desculpas, quis apertar minha mão. E tudo o que eu fiz foi apertar a mão dele de volta. Eu não era mais o mesmo. Aquela vontade toda, aquela necessidade em ser o mais forte, o mais ignorante, o mais homem. Aquilo tudo não existia mais ali. Eu só queria um pouco de humanidade, um cachorro, ficar bêbado novamente e aceitar o fato de que eu sou assim e ninguém gosta de quem é assim. Foi aí que eu ouvi mais uma vez. Toc toc toc toc toc. Aquele barulho de novo, aquele cabelo preto e aquele sorriso branco.
- Pra você se sentar do meu lado, sua noite deve estar realmente um lixo.
- Algo do tipo.
- Me diz: por que chorar e gritar, sozinha, numa noite sem nenhum traço de esperança?
- Me diz: por que você quer saber isso?
- Quero medir o tamanho da minha besteira ao tirar você do chão.

Ela não me falou o motivo daquilo tudo, mas falamos sobre a vida e sobre Bukowski e a minha infeliz e mundialmente famosa literatura e mais algumas coisas que não faziam lá muito sentido, tipo amores perdidos, amor de mãe, amor de pai, amor de pau e todas as outras sensações que pudessem emanar de um coração tão perdido quanto o meu, o dela, o seu e o de Jesus Cristo em alma e carne e sangue. Em nome do Pai, do Filho, do Espírito e do Santo e do Amém. Enfim, a conversa fluía de certa forma, embora eu nunca estivesse satisfeito com o que dizia. Tudo o que saía de dentro de mim parecia merda, parecia porra. E eu me esforçava demais pra corrigir isso e me complicava cada vez mais. Aquele não era eu. Esse não sou eu. E talvez você seja a única pessoa que saiba quem eu sou, mas você não me diria isso que eu sei. Não faz isso com ele, tadinho. E aquele dó que todo mundo tem no olhar quando me vê.
De qualquer forma, aquela inutilidade toda posta em prática me fez vê-la de outro jeito. Era como se ela tivesse me compreendido, ou ao menos tentado, ou ao menos cogitado. E na mesma velocidade em que eu tomei essa decisão ela se levantou e saiu de novo. Toc toc toc toc pela noite e essa é a primeira vez que eu descrevo uma mulher andando sem usar a palavra rabo ou boceta ou tetas. Era um carinho diferente. Carinho de bonzinho, de babaquinha, de idiotinha. Eu vulnerável demais pro meu gosto. Eu sendo eu mesmo pela primeira vez em um bom tempo. Eu vivendo a vida. A vida de filho da puta.
Tudo aconteceu quando eu fui procurá-la. Caçando uma pessoa só no meio daquela multidão de caras iguais e corpos que se mexem bem demais, porém demais. Bebendo e numa masturbação mental sobre o que dizer, como se comportar e todas as inseguranças que se abatem sobre o homem a cada dia que ele acorda. Os olhos bem abertos, as pernas fracas e os joelhos teimosos. E ela já nas mãos de outro cara em algum canto qualquer. O paraíso dela, o meu inferno. E o gosto doce da frustração na minha boca me deixando bêbado. Saí de lá, ganhei as ruas mais uma vez e cambaleei até em casa. Dormi. Sonhei com meu avô. Foi lindo. Lindo demais pra mim.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Anjos não existem.

E aí eu resolvi dirigir. Simplesmente tive o tal estalo. A tal luz divina. Epifania e o caralho a quatro. Desculpa de viciado em cogumelos que eu sei bem. Mas eu resolvi dirigir. Peguei meu Gol noventa e oito e sai por aí. Era um carro simpático. Nunca ganhei boceta nenhuma com ele, mas era simpático. Tinha cheiro de frango com boceta. Eu disse que não ganhei boceta nenhuma COM ele, mas ganhei algumas nele. Enfim, e lá tava eu nas ruas. De carro. Pelo incrível que pareça. Cruzei Rebouças, cruzei Faria Lima, cruzei Paulista. E porra nenhuma acontecia por ali. Umas mulheres desfilavam seus rabos entupidos de botox, uns engravatados corriam pra cá e pra lá. A gravata voando ao vento, sempre fingindo pressa. PRESSA, MUITA PRESSA. Pressa para voltar para o caralho do chefe e para a pica dura da mulher cansada de ser submissa. Promoção aos vinte e nove, demissão aos trinta e dois, suicídio aos trinta e três. Eu já escrevi sobre isso, vocês sabem.
Enfim, era tudo gente lixo. Paulista é tudo lixo. Carioca é tudo lixo. Você também é lixo, antes que eu me esqueça. E meu carro parecia cada vez mais inferior naquelas redondezas. Deus, como a riqueza é insuportável. Ela só funciona para quem a tem. O resto só sabe sonhar com ela, correr atrás dela. A riqueza é aquele sonho bom que nunca acontece. É aquela boceta cheirosa e impossível, como todas as outras. E aí eu fui baixando o nível e subindo minha vontade de respirar e me manter vivo. Usuários de crack, chupetas a dez reais, professoras de português, engraxates, alunos de teatro. O diabo em pessoa em cada sorriso já morto de cada esquina escura em plena tarde de segunda-feira. E eu escrevendo e sobrevivendo. Sobrevivendo, não vivendo, antes que eu me esqueça. A vida parece muito mais correta quando tudo ao seu redor é errado. Lindo de se ver. Eu abraço o demônio e Jesus Cristo ao mesmo tempo. Amigos de bar etc e tal.
Eu dirigia com calma, apreciando a paisagem. Realmente muito devagar. Buzinavam atrás de mim e o mundo estava fechado ao meu redor. FILHO DE UM CARALHO, gritavam. PIIIII PIPIPIIIIII PIIIPIPIIIIII, eu quero mais é que eles se fodam. Sou eu e meu carro, meu carro e eu e todo o lixo aqui presente. Encostei e uma puta veio desfilando. Elas, sempre elas.
- Oi, benzinho. Vamaê? - perguntou.
- Hoje, não, babe. Hoje não quero escrever sobre vocês. Você sabe, eu falo muito de putas e punhetas. Ninguém gosta tanto de putas e punhetas assim. - concluí.
- A punhetinha é dois real. Dois real a punhetinha.
- Querida, minha linda querida, procure um adolescente, ok? Aquele abraço.
Dei-lhe uma moeda e lá fui eu pelas ruas de novo.

Não fazia a mínima ideia de onde estava e meu senso de direção continuava tão ruim quanto minha literatura. Mas enquanto as paredes brancas não fossem realmente brancas eu estaria bem. Me dou bem com os sujos (os realmente sujos). Só sei que eu não via um pobre coitado há um tempo. Mas eu sempre me senti bem sozinho, então tanto faz. O rádio tocava o lixo do lixo dos anos oitenta, o que fazia os anos noventa parecerem uma dádiva. E eu nem preciso dizer o quão ruim foram os anos noventa. E eu dirigia e até aí tudo bem.
Foi aí que eu a vi. Eu tinha certeza que a havia visto. Pela graça de DEUS eu a vi. Cabelos loiros como o sorriso de uma criança inocente, pele branca como a do próprio Hitler, aquele judeu. Era um anjo, com toda a certeza. E a voz suave, mansa, me chamava para perto do seu seio, da sua graça. A única ideia correta naquele momento era ir de encontro a ela. Era abraça-la forte, na esperança de que aquilo tudo nunca se acabasse, a beleza nunca chegasse ao fim, e o amor nunca se transformasse em ódio. Algo impossível, no mundo de hoje, mas enfim. O fiz. E o monólogo mais estranho da minha vida começou. Você fala coisas inacreditáveis quando está com a pica dura.
- Eu te amo. Eu simplesmente te amo. Eu não consigo ficar mais um dia da minha vida sem você. Cada segundo longe da sua boca é o pior segundo da minha vida. ME LEVE PARA O CÉU PELO AMOR DE DEUS. Eu quero escorregar para dentro de você. Eu quero DORMIR dentro de você. Caralho, você é a porra de um anjo. Eu tenho certeza disso. Você foi moldada pela porra do Michelangelo. Não. NÃO! Pela porra de Deus, aquele divino. Me leva, simplesmente me leva. Abra suas asas e me leva com você. Quer casar comigo, anjo da minha vida?
- Cara... - meu anjo disse.
- SIM, MINHA VIDA.
- Você tá viajando.
Entrei no carro e fui pra casa. O pau mais duro que pedra.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Minha pica iluminada pelo luar.

Eu não me sentia um lixo há dias. O que era uma merda, uma vez que escrever estava se tornando cada vez mais difícil. E foi aí que eu descobri um dos meus pontos fracos era viver na miséria. Era na bosta que eu me sentia limpo e livre e completo e cidadão. Não há prosa em meio a alegria, não há narrativa em meio à euforia. Obviamente, esses são conceitos que só valem para a minha mente doentia, mas tudo bem. De qualquer forma, eu escutava músicas tristes antes de escrever. Vozes suaves, suicídios, música de macumba. Qualquer coisa que tornasse meu coração um lugar um pouco mais escuro faria efeito na hora de escrever, que, por sinal, começava tarde da madrugada, acabando poucos minutos depois. Eu escrevia da mesma forma que vivia: em pedaços.
Mas, enfim, a ausência de tristeza prejudicava minha escrita, assim como a ausência de VIDA. O problema de passar meses sem sair da porra do sofá é que você esquece que tem um mundo lá fora. Esquece que existem outras pessoas, que existem diferentes línguas e, inclusive, um povo de olhos puxados que fala errado e suja as ruas. E o racismo extremo ainda é uma das melhores formas de chamar a atenção. Pois bem, eu precisava ficar bêbado e buscar alguma coisa passível de se transformar em história que vai se transformar em e-mails filhos da putamente educados de algum editor que toma pico na veia. E a música triste rolando. Ó, como a melancolia é linda. Amores frustrados são a única forma verdadeira de amor.
Ignorei minhas reflexões acerca do amor e fui para as ruas. O sol queimava meus olhos. Eu sentia meus globos oculares em chamas. Respirar era pesado, doía. Cada tragada daquele ar de rua me tirava um pouco mais da vontade de viver. E a minha vontade de viver que nunca foi grande coisa. Resolvi encarar aquilo como o grande homem viril que sou. EU SOU VITO BEAUMONT E A PORRA DO SOL É SÓ UMA PORRA DE UMA ESTRELA QUE NÃO PODE BRILHAR MAIS DO QUE A MINHA PRÓPRIA PICA ILUMINADA PELO LUAR. Levei a cabeça o mais para trás possível, abri os olhos com todas as forças que minhas pálpebras eram capazes de suportar e fiquei ali. Sentindo a luz. Aquela forma de luz pura, branca, pálida. Invadindo minhas retinas como se aquela fosse a minha primeira vez. Doía. Ardia como um filho da puta. Mas eu encarei. Segui caminhando, com um infinito de pontos brancos a minha frente. E o mundo, subitamente, não parecia de todo mal.
Passaram por mim uns seres estranhos. Em bando, obviamente. Falavam alto, com a boca pintada. Óculos escuros cobriam parte do rosto quase sempre. Não tinham graça alguma. Eram seres iguais. Um oceano de pernas que se movem ao mesmo tempo, cabelos penteados para o mesmo lado e outros fatores que não refletem personalidade alguma. Eu não via seres como aqueles há um bom tempo, mas sei que eles carregavam algo que me deixavam ouriçado. De rola dura, para ser sincero. Lembravam mulheres, mas talvez não fossem. Ou talvez fosse eu que não sabia distinguir mais nada além de dor e alegria. E eu soando cada vez mais clichê escrevendo tudo isso em uma madrugada quente, perdendo identidade, falando difícil. Agindo como ELES.
Mas, enfim, muita coisa aconteceu nesse meio tempo. Uma puta de uma desconstrução do caralho. A começar pelo meu pau. Ele ardia como nunca. Sifilítico sem ter comido nenhuma boceta. Não me recordo exatamente a quantidade de punhetas que bati nesses meses, ou anos, ou espaço de tempo. E talvez seja hora de parar de escrever sobre punhetas e voltar a escrever sobre bocetas. Tudo o que eu preciso é de uma. Mas eu ainda estava na rua e não se arranja bocetas na rua a não ser que você pague. E eu não tinha dinheiro algum. Eu estou desempregado, vocês sabem. Ando comendo peixes que ganho em feiras de animais. Eles vão morrer mesmo, nascem predestinados a isso. Naqueles sacos plásticos com um pouco de água. Fritam maravilhosamente bem na frigideira. E rendem algumas boas refeições. Chupo-os até a espinha, no mesmo ritmo em que Mirisola fode-os no cu. Incrível.
E eu andava pelas ruas sem dinheiro. Não conseguia mais pagar para ficar bêbado então eu juntava uns trocados e comprava álcool nos postos de gasolina. E era só um gole me distanciando entre as maravilhas de se estar bêbado e o inferno de se estar doente. Eu procurava ficar no meio-termo, mas caía para o inferno, nunca para o paraíso. A vida segue, after all. Andava mais um pouco e mais um pouco. Sentindo o calor. A vontade. A falta. E tinha uma mulher incrível parada por ali. Tão inocente quanto um anjo incapaz de voar. Parei para ver se ainda sabia como me comunicar.
- Uga buga, sua puta. – disse eu.
- Cara, você é louco. – falou ela.
- Ao menos rimou, não é?
E foi nessa hora que eu consegui extrair um sorriso dela. Dentes brancos.
- Pois é.
- Eu moro aqui e nunca te vi. Me explica como isso aconteceu?
- Pois é. Sou nova. Comecei hoje.
- E você me chama de louco?
Silêncio.
- Eu acertei que você era uma puta. O que você tem a dizer sobre isso?
- Eu digo que é cinquenta reais a hora.
- CINQUENTA?!?!
- Dez a chupeta.
- DEZ!?!!?!?!?!?!?
- O que foi? Tá barato, eu preciso ganhar a clientela.
- Concordo.
- Então?
- Pois é.
- E aí?
- Não tenho dinheiro nenhum, topa?
- Vai se foder.
- Não. Eu vou TE foder.
E foi assim que eu ganhei a puta e o meu dia.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Conselho.

A sociedade funciona mais ou menos assim: faça as pessoas gostarem de você. Foda-se como você o fará, mas faça. Arranjar uma boa boceta é bom, traz status. Mas, como provavelmente ela vai se cansar de você após alguns meses, não deposite suas esperanças na boceta. Aliás, não deposite nada, além do seu próprio caralho, em qualquer boceta. Elas são sugadoras de sonhos e esperança. Mas eu escrevo demais sobre bocetas, vocês sabem, então não considerem isso. Enfim. Ser gordo ajuda. Ser gordo ajuda porque assim fica mais fácil se auto depreciar. Se odiar. Querer a morte. E as pessoas gostam de pessoas que sabem "rir" de si mesmos. Ao falarem isso pra você saiba que ali mora um sádico. Naquele monte de merda depositada a sua frente, mora um filho da puta. Um carcereiro das coisas boas da vida. Por sinal, as coisas boas da vida são boas somente pra você. Aos olhos do mundo, O MUNDO CORRETO, O MUNDO PURO, as coisas boas da vida são as coisas erradas da vida. E isso, é Deus falando. E como Deus provavelmente sabe muito mais do que você sobre a vida, é melhor considerar. Deus será um cara legal enquanto você for um cara legal. Agora, experimente meter, cheirar, beber, fumar, dormir demais, não rezar todos os dias, usar seu dinheiro com coisas realmente úteis, falar demais, olhar para um rabo gostoso, espancar sua mulher etc. e sinta toda a fúria de Deus sobre o seu couro. Dilacerando o seu couro e deixando você com nada. Nada além da dor. E esse, meus amigos, é o meu conselho para vocês.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Poesia é chato pra caralho.

O dia já começou sem necessidade. O céu mais sem vida que a minha alma, o sol mais envergonhado que minhas ex-mulheres. Foderam com a vida dela no dia em que foderam comigo. Meu pau é um destruidor de bocetas. Um destruidor de sonhos. E eu me orgulho disso. O que me resta de orgulho é isso. A vida vazia e a maneira errada que eu tenho de lidar com ela. Quando sua vida é um branco sem fim, o negócio é aceitar e deixar o nada te engolir, começando pelo seu coração. Mas eu não. Eu, o grande Vito Beaumont, desempregado e virgem, não. Eu busco uma maneira de dar sentido à minha vida. Passo o dia bebendo, batendo punheta e me arrastando pelos cantos. Vomito também. Vomito bastante, tentando me convencer de que isso é melhor do que nada. O nada e toda sua relatividade do caralho. Eu escrevo sobre o nada, me alimento do nada e escuto o nada conversando comigo todas as noites. É quase um monólogo. Ele fala sozinho e eu escuto e obedeço e penso Caralho, isso é genial.
E eu sou um filho da puta. Leio bastante E. E Cummings, também. É, isso mesmo. E. E. Cummings. É uma bosta, mas eu sigo lendo. Página após página, decepção após decepção. Poesia é a música dos fracassados. Dos que se autointitulam bons demais para escrever algo que não busque um sentido só na cabeça do próprio autor. Vocês sabem, todo poeta escreve com o único propósito de comer bocetas tolas e, supostamente, sensíveis. Expressar a dor e os sentimentos é a puta que pariu. É a boceta da santíssima mãe deles. Vocês sabem, poetas sempre têm aquela conversa de que a poesia é que os mantém vivos. De que se não fosse as palavras e todo o poder terapêutico e inútil delas eles não estariam mais aqui, nessa porra dessa Terra de merda. O grande caralho. Quem faz isso por eles é a metanfetamina. Crystal meth, filho da puta. Cheirei uma carreira de cocaína e me lembrei da última vez em que topei com um poeta. Era um bar como todos os outros. Não era sujo como Bukowski gosta de descrever todo santo bar em que ele já esteve na vida. Era só um bar. Tinha bêbados, mendigos, casais, putas e gordas com pouca roupa. Um bar de cidade pequena. O hábitat natural daqueles que não são porra nenhuma. O paraíso dos que querem ser mas nunca serão. A boceta da santíssima mãe deles, eu já disse.
Eu estava lá, bebendo e não fazendo nada além disso. Eu já me encaminhava para o lixo que sou hoje. Eu estava lá, bebendo. E aí veio o poetinha. Pediu uma dose de martíni ou algo do tipo. Um daqueles drinks que vinha numa taça especial, com algum ingrediente secreto. Como se ele fosse melhor que todo mundo ali para beber em uma porra de um copo como todos os outros. Enfim, ele tomou aquele drink num gole só e olhou para mim com o canto dos olhos. Os olhos deles diziam Olha só como eu bebo. Eu pareço frágil por ser inteligente, mas por dentro sou um rio de dor que só se alivia bebendo dessa maneira autoafirmativa. Tudo isso naqueles olhos fundos e escuros. Eu realmente me incomodei, mas depois me senti aliviado. Antes ele falar com os olhos do que abrir a boca pra dizer algo. Ele pediu mais um ou dois drinks metidos, sempre repetindo o mesmo processo e dizendo as mesmas coisas. Eu bebia cerveja barata e lembrava da maneira nada romântica com que Hemingway deu fim na própria vida. Porra, espingarda na cara. É violento pra caralho. Realmente, o peso de ganhar (bem) a vida não fazendo nada além de escrever de pé deve ser insuportável. Todos têm a vida melhor que a minha. Eu gosto de imaginar o mundo assim para poder ter dó de mim mesmo à vontade. E foi aí que eu não gostei mais daquele lugar.
Eu vou beber o que ele beber, disse o poetinha. O garçom atendeu prontamente, sem imaginar o erro que estava cometendo. Ele deu um gole no copo igual ao meu e a de todos os outros e se esforçou ao máximo para não demonstrar repulsa. Uma lágrima escorreu e eu sorri. Segui com minha cerveja e meu Hemingway com suas dezessete virgens aguardando por ele no paraíso. O presente dos desertores. A vida e seu regime militar.
- Você é escritor, não é? - perguntou o poetinha.
- Não. Sou só infeliz mesmo.
- Um dos malditos, não é?
- Não. Sou só sem talento mesmo.
- Eu sabia. Escritores malditos deixam transparecer. Ó, doce ironia. Quanto mais tentam se esconder dos muros da sociedade e da verdade da humanidade, deixam transparecer a única e mais real das verdades. A escondida dentro de cada um.
- Tá beleza.
- De que lado você está? Um apaixonado como John Fante? Um rebelde como Charles Bukowski? Um lisérgico como Jack Kerouac?
- Eu?! EU?! EU ESTOU DO LADO DA VERDADE. EU SOU A VERDADE PERMANENTE E DEFINITIVA.
- Finalmente! Emoção de verdade! Isso é lindo! isso é o que você é! QUE COISA LINDA!
- VOCÊ DUVIDA DA MINHA VERDADE? VOCÊ DUVIDA DO QUE EU TE DIGO?
- MAIS! EU QUERO MAIS BELEZA!
- VOCÊ DUVIDA, HÃN?!

Virei meu pé em sua cara. Ele foi ao chão mais rápido que um negro sendo expulso de um ônibus há umas décadas atrás. Foi lindo. Ele chorava de emoção e seus olhos escuros oscilavam entre o encatamento e o pavor. Enfiei minha garrafa no meio de sua testa. Ela se abriu e a garrafa se partiu. Sentei em cima do seu peito e me dediquei única e exclusivamente a causar o máximo de danos possíveis naquele rostinho poético. A garrafa ia para cima, o sangue voava para baixo. A garrafa ia para baixo, o sangue voava para cima. E assim por diante. Soquei seu nariz até nao sentir mais nenhum osso inteiro por ali. Me levantei, cuspi em sua cara e mijei em seguida. Sangue, cuspe e mijo. Anteriormente, isso era um rosto. Deixei uns trocados no balcão, pedi outra cerveja e saí pela porta, aliviado por ter feito uma boa ação por aquele jovem aspirante a artista. Aquilo era poesia pura.